Capitalismo em crise – uma explicação marxista

Crise 1929

Durante o desenvolvimento da atual crise, muitas comparações têm sido feitas com a Grande Depressão de 1929-33. De fato é um importante exemplo a ser estudado. Ele mostra até que ponto a crise capitalista pode chegar.

A crise de 1929 já tinha sido preparada durante os anos anteriores. A bolha especulativa era só um dos sintomas. Mesmo antes do estouro da bolha e pico na produção já tinha sido ultrapassado. O grande crescimento das desigualdades mostrava a contradição do sistema. Em 1929, os 42% mais pobres tinham somente 0,1% da renda total do país, o que limitava o poder de compra dos trabalhadores e aumentava a tendência de super-produção.

Em outubro de 1929, estoura a bolha na bolsa de valores. Nos dias 24-29 de outubro houve uma forte queda na bolsa de Nova Iorque, que se espalhou pelo mundo. Em 1933 as ações tinham perdido 89% do seu valor. Houve uma crise financeira que atingiu em cheio os bancos, que eram pouco regulados e tinham ajudado a financiar as especulações nas bolsas. Quando as pessoas que tinham perdido seu dinheiro nas bolsas não conseguiam pagar suas dívidas, os bancos começavam quebrar, gerando corridas aos bancos, com os correntistas desesperadamente tentando sacar seus dinheiros para não perderem tudo.

A especulação era obra de poucas pessoas. Dos 120 milhão de habitantes na época, cerca de 600 mil tinha investido em ações, mas uma minoria dessa dominava o mercado.

A crise de 1929 foi uma crise de forte queda da demanda e grande excesso de capacidade, o que gerou um desemprego massivo. Isso foi seguido por uma onda de falências bancárias. Um espiral deflacionário (queda nos preços, que gera corte em salários e desemprego, que diminui mais ainda a demanda, levando a novos cortes de preços…) piorou a crise bancária, já que o peso das dívidas aumentava com o aumento do valor do dinheiro (já que os preços caíam, o valor do dinheiro aumentava). Os preços caíram em 24% entre 1929-33. Os preços agrícolas caíram ainda mais, entre 40 a 60%.

O PIB* dos EUA caiu pela metade de 1929 a 1933, a produção industrial diminuiu 46%, o desemprego subiu para 25% (com 13 milhões de desempregados). A montadora Ford cortou sua força de trabalho de 128 mil no início de 1929 para 37 mil em agosto de 1931. Os investimentos caíram de US$ 16 bilhões em 1929 para somente US$ 1 bilhões em 1932.

No total faliram 9 mil bancos erradicando um total de US$ 140 bilhões, deixando 6 milhões de famílias sem poupança.

Em geral, a classe dominante demorou para intervir na crise, seguindo sua teoria liberal, que ditava que o mercado deveria se auto-regular. E quando faziam algo, a tendência era de piorar a situação.

A crise foi agravada no início, até 1933, pela política errada do Federal Reserve, o banco central dos EUA, fundado em 1913. O “Fed” seguia a receita monetarista, defendendo que seria possível manter a estabilidade do sistema através de instrumentos monetários (aumentando ou diminuindo a quantidade de dinheiro em circulação). Mas limitando a oferta monetária (quantidade de dinheiro), que caiu em um terço entre 1929 e 1933, o Fed piorou a crise deflacionária.

Protecionismo e colapso do comércio mundial

Um dos grandes efeitos internacionais da depressão foi a queda no comércio mundial. Essa queda foi reforçada por uma política protecionista, onde cada país tentava salvar sua própria economia, erguendo barreiras contra importações. Diante à profunda crise, a classe dominante abandonava a idéia do “comércio livre” e agia para proteger seus próprios interesses. Os ranços da 1ª Guerra Mundial permaneciam, e poucos acreditavam em uma saída negociada entre os países ricos.

Em junho de 1930, o congresso dos EUA aprovou a lei Smoot-Hawley Tarrif Act que aumentava as tarifas alfandegárias. Elas foram elevadas, em média, de 25,9% em 1921-25 para 50% em 1931-35. Outros países retaliaram com a mesma moeda. As exportações dos EUA caíram de US$ 5,2 bilhões em 1929 para US$ 1,7 bilhões em 1933. Mas as exportações tinham um peso relativamente limitado na economia. Outros países foram muito mais afetados.

Além de elevar tarifas, os países mais ricos largaram o padrão-ouro (sistema em que o valor da moeda era fixado, e lastreado, em uma reserva de ouro, um sistema que tinha ajudado a expansão do mercado mundial já que dava uma maior credibilidade às diferentes moedas) e começou uma onda de desvalorização das moedas. A desvalorização da moeda é uma maneira de proteger o mercado interno, já que as exportações ficam mais baratas e as importações mais caras. No total, o comércio mundial caiu para um terço do seu valor. Só nos anos 60, o comércio mundial superou o nível alcançado em 1913, como proporção do PIB mundial.

A crise se espalha pelo mundo

Colapso do comércio mundial 1929-1933: Entre janeiro de 1929 e março de 1933, o comércio mundial se contraiu em dois terços (importações de 75 países em milhões de dólares) 

A Austrália era um dos países na época mais dependentes de exportações e foi um dos mais atingidos pela crise. O desemprego chegou a 32% em 1932. O Canadá também foi duramente atingido. A produção industrial caiu em 42%, e o PIB 45%. O efeito mais dramático foi na Alemanha, onde o desemprego chegou a 6 milhões em 1932, e a crise política levou à chegada ao poder dos nazistas.

Vários países não tinham como pagar suas dívidas e declararam moratória. Começou na Bolívia em 1931 e se espalhou para quase todos países da América Latina e para outros continentes.

New Deal e Keynes

O Secretario do Tesouro (ministro de finanças) do presidente Hoover, no início da crise, deu o seguinte conselho para implementar um tratamento de choque: “Liquide o trabalho, liquide os estoques, liquide os fazendeiros, liquide os imobiliários… Isso vai purgar o que é podre no sistema. Os altos custos de vida e a vida extravagante vão cair para o chão. As pessoas vão trabalhar mais duro, vão levar uma vida mais moral. Os valores serão ajustados, e o povo empreendedor vai se erguer sobre os escombros dos menos competentes.” Hoover não seguiu esse conselho, que sem dúvida agravaria a catástrofe. Ele tentou implementar vários programas, aumentando projetos federais como investimentos em infra-estrutura, mas com pouco efeito. Em 1933 o novo presidente, Roosevelt tomou posse e lançou um pacote mais ambicioso de gastos públicos.

O “New Deal” de Roosevelt incorporava um plano de trabalhos públicos e educação para adultos. Foi passado uma lei que congelou salários e preços, mas também dava direitos sindicais para trabalhadores.

O New Deal seguia as idéias de John Maynard Keynes, um economista que ia contra as idéias monetaristas, de forte controle da moeda e do balanço fiscal, e também as idéias liberais, que o Estado não deveria se intrometer. Ele colocava que em período de crise o Estado deveria aumentar os gastos, e também apoiar com medidas assistencialistas o consumo dos trabalhadores. O Estado deveria manter um déficit orçamentário, e dessa maneira ajudar a estimular o consumo. Quando a economia entrasse em período de crescimento, o Estado compensaria com um superávit no orçamento.

Hoje as idéias de Keynes estão voltando a ser populares entre os economistas. Muitos atribuem ao New Deal o fato dos EUA terem saído da crise de 1929. Mas, mesmo tendo ajudado a atenuar os efeitos da crise, seu efeito foi limitado. Os gastos do governo federal eram de apenas 3% do PIB em 1929. Entre 1933 e 1939 o gasto triplicou, para 9% do PIB, ainda uma parcela muito pequena da economia. Esse estímulo de 6% do PIB, está no mesmo patamar do que o Bush filho implementou no seu primeiro mandato, quando o orçamento federal foi de uma superávit de mais de 3% do PIB para um déficit de mais de quase 4% (isso graças aos cortes de impostos aos ricos e aos gastos das guerras no Afeganistão e no Iraque). Foi somente com os enormes gastos com a 2ª Guerra Mundial, quando os gastos federais chegaram a 45% do PIB, que houve um estímulo suficiente para superar a depressão.

A dívida pública (que reflete o acúmulo dos déficits orçamentários) subiu de 20% até 40% do PIB durante Hoover. Roosevelt manteve a dívida em 40% até o início da guerra, já que ele compensava o aumento do gasto público com aumento dos impostos. Mas durante a guerra a dívida pública chegou a 128% do PIB.

O desemprego caiu de 25% em 1933 para 14,3% em 1937, mas a economia entrou em declínio de novo em 1938 e o desemprego aumentou para 19%. O próprio Roosevelt disse em 1937 que um terço dos americanos eram mal nutridos, mal vestidos e tinham moradias precárias. Leon Trotsky comentou que o New Deal criava sucessos fictícios e dívidas verdadeiras. Mesmo essas medidas limitadas só foram possíveis no país mais rico do mundo. Só depois da 2ª Guerra Mundial, no período de forte crescimento mundial, que a política keynesianista ia ser implementada de uma maneira mais geral.

A crise profunda fez com que a burguesia aceitasse um poder maior para o Estado. Implementou-se regulamentos ao sistema financeiro, principalmente aos bancos. Foram estabelecidos compulsórios (a parte dos depósitos que os bancos tem que ter em reserva) e também agências para monitorar os bancos e garantir o dinheiro de pequenos poupadores em caso de falência de algum banco. Uma outra medida nos EUA foi a divisão entre os bancos comerciais, que estavam abertos para abrir contas correntes e poupanças, e os bancos de investimento, que faziam negócios mais especulativos e permaneceram mais livre de regulamentos. A maioria das regras implementadas durante o New Deal foi abolida durante os anos 70 e 80. A divisão entre bancos comerciais e de investimento acabou nos anos 90.

Uma chance perdida de se livrar do sistema

A crise aumentou a oposição ao sistema entre os trabalhadores, mas em nenhum país os trabalhadores conseguiram seguir o exemplo da Rússia em 1917, onde o sistema capitalista tinha sido derrubado. O fator decisivo na Rússia foi que os trabalhadores tinham um partido com fortes raízes na classe trabalhadora e armado com um programa revolucionário, preparado para levar a luta até o fim.

Mas nos anos 30, o movimento dos trabalhadores era dominado internacionalmente pelos antigos partidos social-democratas e pelos stalinistas. Os social-democratas limitavam sua luta a pequenas mudanças, reformas, dentro do marco do sistema capitalista, e por isso defendiam as mesmas medidas que os keynesianistas. Os stalinistas defendiam os interesses da burocracia da União Soviética, que sob a figura do Stalin tinha usurpado o poder depois que o isolamento da revolução russa levou a uma degeneração do regime. Eles mantiveram uma autoridade dentro do movimento, já que representavam o único país onde a revolução tinha sido vitoriosa. Mas os interesses da burocracia agora era somente manter o seu próprio poder, fazendo acordos com países imperialistas, e por isso indo contra tentativas de revoluções que poderiam atrapalhar seus objetivos.

Em alguns países, partidos social-democratas e reformistas ganharam as eleições. Na Suécia a social-democracia chegou ao poder em 1932, e se manteve no governo até 1976. Mas a social-democracia já tinha se adaptado ao sistema, contente em disputar cargos de governo, e sem intenção de implementar uma mudança profunda.

Em outros, por causa da incapacidade da classe trabalhadora e suas organizações oferecerem uma saída, o espaço foi aberto para a extrema direta. A vitória do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha levou ao esmagamento das organizações dos trabalhadores.

A principal batalha na Europa se deu na Espanha. A burguesia reagiu à eleição de um governo com forte participação do partido socialista apoiando um golpe fascista, liberado pelo general Franco. Os trabalhadores reagiram ocupando fábricas e chegaram a esmagar o Estado e o capitalismo na região de Catalunha, e tomando o poder em grande parte do país. Na guerra civil morreram um milhão de pessoas. A classe trabalhadora se mostrou novamente preparada de ir até o fim, mas carecia uma organização política com raízes nas massas que poderia apresentar uma alternativa viável. Isso enquanto os partidos socialista e comunista desesperadamente tentavam segurar a revolução dos trabalhadores para garantir uma aliança com os “republicanos democráticos”. Trotsky colocava que, na verdade, isso era uma aliança com a “sombra da burguesia”, já que ela mesma já tinha escolhido lado, apoiando Franco.

A Revolução Espanhola foi a última chance da classe trabalhadora na Europa barrar o caminho para uma nova, ainda mais devastadora, guerra mundial.

Nos EUA, vimos o surgimento de uma nova geração de militantes sindicalistas. A depressão diminuiu o apoio ao partidos capitalistas e as instituições do Estado. Houve uma radicalização de massas. Uma nova central sindical, CIO (Congresso de Organizações Sindicais, sigla em inglês), surgiu do nada e cresceu para 6 milhões de filiados em 1936. Em 1935 só 9,2 mil trabalhadores em siderúrgicas eram sindicalizados. Em 1937 eram 500 mil! O ano de 1934 foi de grandes lutas, incluindo uma greve geral em São Francisco e em Minneapolis. A 2ª Guerra Mundial interrompeu um processo de politização da classe trabalhadora, que não conseguiu se unir em um partido forte. Mas o medo que a radicalização continuaria após a guerra fez com que a classe dominante dos EUA lançasse uma enorme caça às bruxas contra verdadeiros e supostos comunistas nos anos 50.

* PIB: O Produto Interno Bruto (PIB) representa a soma (em valores monetários) de todos os bens e serviços finais produzidos num país durante um ano.