Capitalismo em crise – uma explicação marxista
Efeitos da crise no Brasil
No dia 30 de abril, quando o país recebeu o “grau de investimento” pela agência de classificação de risco Standard & Poor, Lula disse “O Brasil vive um momento mágico.” A bolsa de valores de São Paulo bateu no início de maio novo recorde histórico e Lula falou que o tsunami financeiro mundial chegaria só como uma “marolinha”. Guido Mantega chegou a propor aos economistas que faziam previsões negativas que “Deviam tomar um Prozac para ver se melhoravam”.
Quase seis meses depois, no dia 10 de outubro, o mesmo Guido Mantega, ministro da Fazenda, mostrava outra visão, dizendo: “A tese de que não haveria contágio foi superada… a crise também migra para os países emergentes.” Quer dizer, a tese que ele e Lula defendiam!
A idéia do governo era de tentar segurar uma aparência de força econômica pelo menos até as eleições.
Segundo Folha de São Paulo, a equipe econômica do governo Lula agora fala de crescimento de só 2% no ano que vem. Oficialmente o governo ainda mantém que o crescimento será mais alto, mas dia 4 de novembro foi forçado a reduzir a previsão de 4,5% para 3,7%.
Segundo a nova previsão, a inflação em 2009 será 5% (4,5% na previsão anterior). A receita pública deve ficar R$ 15,2 bilhões menor que previsto e o ministro de desenvolvimento Paulo Bernardo diz que vai ser necessário implementar cortes de R$ 8 bilhões, quase o gasto do bolsa família (R$ 10,6 bilhões).
Crise de crédito e alta do dólar
O primeiro efeito da crise o Brasil foi o enorme aperto do crédito, junto com um rápido aumento do dólar. A falta de crédito atingiu em cheio principalmente as pequenas e médias empresas, que de repente não conseguiram mais manter suas atividades.
Pudemos acompanhar o dramático exemplo da empresa Frango Forte, frigorífico que exporta frangos para vários países. A empresa comprava frangos de 800 granjas no estado de São Paulo para as quais fornecia a ração. Incapaz de conseguir crédito, não conseguia comprar ração e milhares de frangos começaram a morrer de fome. Mais alguns dias sem ração e 4 milhões de frangos poderiam morrer.
A alta do dólar teve também um efeito dramático. Em dois meses, desde 01/08, o dólar chegou a subir mais que 50%. No dia 23 de novembro chegou a uma alta de 57,7%. A rápida subida do dólar, intercalada com fortes baixas, paralisou boa parte dos negócios com o exterior. As empresas tinham dificuldade em saber qual seria o preço da mercadoria, com o dólar variando 5% de um dia para o outro. A alta do dólar também encareceu várias mercadorias importadas. As Lojas Cem, por exemplo, deixaram de repor os estoques de microondas, já que o fornecedor queria 30% a mais e a empresa avaliou que seria impossível repassar esse aumento ao consumidor.
Várias grandes empresas exportadoras, que tinham a capacidade de comprar derivativos para protegerem-se contra as mudanças no valor do dólar, contraíram enormes perdas. Se quando o dólar estava 1,60 eles compravam papéis com a garantia que receberiam esse valor no futuro (mesmo que o dólar caísse para, por exemplo, 1,40), quando o dólar ao contrário subiu, o efeito foi o oposto, elas perderam grandes quantias.
Três grandes empresas, Sadia, Aracruz e Votorantim declararam que tinham perdido R$ 5 bilhões. Segundo algumas estimativas, existem cerca de 200 empresas que podem perder R$ 40 bilhões com a alta do dólar.
Por trás da alta do dólar há uma fuga de capital. Em outubro, a saída foi de US$ 4,6 bilhões, a maior desde janeiro de 1999. A alta do real no último período tem refletido no superávit do balanço de comércio e conta corrente. Mas o superávit do balanço de comércio caiu 40% nos 10 primeiros meses desse ano, comparado ao mesmo período do ano passado, e a conta corrente deve fechar no negativo.
Empresas já diminuem a produção e demitem
Os efeitos da crise só começaram a ser sentidos, e ainda não de forma generalizada. Mas em vários setores houve redução ou suspensão da produção, com férias coletivas aos trabalhadores (montadoras, siderúrgicas, celulose e papel). O próximo passo vai ser um aumento nas demissões.
O saldo da criação de empregos formais (contratações menos demissões) caiu em outubro para o nível mais baixo desde 2002, um ano de crise. No estado de São Paulo, a indústria perdeu 10 mil empregos durante outubro.
Os primeiros efeitos sentidos foram nos setores que dependem muito de crédito, como a construção civil e vendas de carros, onde o aperto do mistura-se à alta dos juros do Banco Central. Em setembro as vendas de imóveis novos na capital paulista caíram pela metade.
Venda de carros caiu com 2,1% em outubro, em relação com o mesmo mês do ano passado. Segundo a Fenabrave (Federação Nacional de Distribuição de Veículos Automotores) na primeira quinzena de novembro as vendas de carros caíram com 20% comparado com o mesmo período em outubro.
Um informe publicado no dia 22 de outubro mostra que o indicador da CNI (Confederação Nacional da Indústria), o qual mede a confiança sobre o desempenho da economia nos próximos seis meses entre os empresários, despencou no terceiro trimestre ao pior nível desde julho 2005. O índice caiu de 55,4 para 46,7 (abaixo de 50 indica pessimismo, acima indica otimismo). Produtores de álcool, couros, borracha, calçados, papel, celulose e madeira registraram índices abaixo de 50 pontos.
Até os tão alardeados investimentos no pré-sal serão afetados. O presidente do Petrobras, Gabrielli, admite em uma entrevista na Folha de São Paulo (22/10), que a crise vai adiar os investimentos, levando a data final “mais próximo a 2020”.
A queda no preço das commodities e aumento de preços dos insumos está gerando grandes problemas para muitos agricultores. Durante outubro, 70% dos agricultores no Mato Grosso, o maior produtor de soja, não conseguiram pagar suas dívidas e os bancos começaram a tomar suas máquinas, o que impossibilita o trabalho.
Crise na Bolsa
Nos nove primeiros meses de 2008 a bolsa perdeu R$ 500 bilhões do seu valor. Estrangeiros são donos de 35 % da ações no Brasil. Muitos deles venderam suas ações aqui para cobrirem perdas em outros mercados. Até 24 de outubro a bolsa perdeu cerca de R$ 21,7 bilhões em capital estrangeiro, um recorde. Além disso, 43% das ações são ligadas ao mercado de commodities, que perdeu muito em valor por causa da crise. Os dois gigantes da bolsa são justamente a Petrobras e a Vale.
Por isso, a Bovespa é uma das bolsas que mais caiu durante este ano. Do ponto mais alto no início de maio (segundo o Ibovespa, o principal índice que mede o desempenho da bolsa) até o ponto mais baixo em 17 de outubro, a bolsa perdeu 60% do seu valor (voltando ao patamar de 2005) e muito mais ainda se o valor é medido em dólar, já que o dólar subiu nesse período.
Parada dos pacotes
Apesar da fala de Lula um tempo atrás de que não haveria pacote contra a crise no Brasil, desde o meado de outubro não passa um dia sem que seja anunciada uma medida para socorrer setores que está entrando em dificuldades.
O Banco Central abriu as torneiras para descongelar o crédito, disponibilizar R$ 111 bilhões dos RS 260 bilhões de compulsórios que os bancos têm de depositar no Banco Central. Até 16 de outubro, R$ 49,5 bilhões tinham sido liberados. O problema é que os bancos preferem guardar esse dinheiro, por causa dos riscos no mercado.
Além disso, foi anunciada abertura de linhas de crédito para o agronegócio, a construção civil, as exportadoras e as montadoras.
Os bancos públicos, Banco do Brasil e Nossa Caixa abriram em novembro uma linha de crédito de R$ 8 bilhões para ajudar as montadoras. Mas só durante o primeiro semestre desse ano as montadoras fizeram remessa de US$ 4 bilhões de lucros para suas matrizes. Isso equivale a mais de R$ 9 bilhões!
MP443
Uma das medidas tomadas pelo governo para demonstrar que tem força para intervir, foi a Medida Provisória que permite ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal comprarem bancos e empresas com problemas, sem licitação. Para quem dizia que a crise não teria efeito algum, parece até um pouco exagero; mas mostra que o governo, por trás das suas falas, está nervoso. Por outro lado, para acalmar o mercado, Lula enfatiza que “não é para estatizar, é para comprar e vender depois”. Quer dizer: o governo está preparado para socializar as perdas, mas garante que os lucros ficarão em mãos privadas.
A MP também permite que o BC recorra ao Fed, que emprestou US$ 30 bilhões para ajudar a engrossar a reserva de dólares.
Além disso, o governo anunciou uma isenção de IOF para o capital estrangeiro a fim de ajudar atrair capital. Especuladores são bem-vindos!
Os mega-bancos
A crise dos pequenos bancos vai acelerar o processo de concentração dos bancos. A compra do Banco Real pela Santander e a fusão entre Itaú e Unibanco impulsionarão mais compras, aonde os grandes vão engolindo os pequenos. O Banco do Brasil já anunciou a compra da Nossa Caixa e Banco do Piauí, e está querendo também comprar o banco Votorantim. Essas fusões levarão a demissão de milhares de bancários, apesar de que os donos hoje neguem isso. Não interessa simplesmente crescer, se não conseguem aumentar a margem de lucro.
Em 1995 existiam 144 bancos no Brasil. Agora restam 98. Os 5 maiores bancos respondem por 75% dos depósitos, comparado a 65% no ano passado. Desde 1995, a participação dos bancos públicos tem caído também, com as privatizações de 55,6% dos ativos para 36,4% hoje.
Brasil: um lugar mais seguro?
A idéia que Lula tentou vender é que o Brasil, passado apenas alguns anos depois de profundas crises, que quase o impediram de pagar as dívidas públicas em 2002, tornava-se uma economia forte, com potenciais décadas de crescimento adiante.
O que ficou claro é que até nos pontos em que o país conseguiu avançar, como a reserva de dólares de mais de US$ 200 bilhões, a coisa é mais instável do que parece.
O crédito privado concedido pelo sistema bancário é relativamente baixo, mesmo com o rápido aumento no último período. O total de crédito subiu de R$ 609 bilhões em janeiro 2006 (28,% do PIB) para R$ 1.149 bilhões em setembro 2008 (39,1% do PIB). Mas os juros altíssimos cobrados no Brasil fazem disso um grande fardo. Os juros médios cobrados aumentaram de 33,8% em dezembro de 2007 para 40,1% em agosto.
A dívida pública agora está abaixo de 40% do PIB. Mas apesar de um superávit altíssimo de 4,3% do PIB, a dívida pública total não caiu; está em R$ 1,3 bilhões, e deve subir com a crise, já que vai ter limites de quanto o governo consegue cortar nos gastos. Além disso, o risco-país (os juros extra que os especuladores cobram para investir em títulos do governo brasileiro comprado com títulos dos países ricos) voltou a subir e atingiu 6,77% em 23/10. Em 2007, o risco-país chegou a ser só 1,6%, enquanto em 2002 era 24%.
Grande dependência em commodities
Brasil se benificiou do crescimento mundial nos últimos anos, o que possibilitou um aumentos das exportações, gerando um grande saldo comercial. Mas o avanço tem sido principalmente em cima de exportação de commodities, e agora o país está sendo atingido em cheio pela queda dos preços de soja, ferro, etc.
Um dos fatores usados como prova de que o Brasil seria menos atingido pela crise, era o fato que as exportações aos EUA caíram em significância, de 24,2% em 2001, para 18% em 2006, e abaixo de 15% este ano. Mas por outro lado, aumentou para China e México, que dependem da capacidade de exportar para os EUA.
O comércio com a China mostra o problema da dependência das exportações de commodities. Até alguns anos atrás, o Brasil teve um superávit no comércio com a China, agora tem um déficit de US$ 2 bilhões. E o déficit deve aumentar no ano que vem com a queda nos preços da soja e ferro. Segundo a Folha de São Paulo, empresários brasileiros reclamam que a China mantém uma relação “colonial” com o Brasil. Quase 100% das exportações chinesas ao Brasil são de produtos industrializados, mas a China só importa matérias-primas (2/3 das exportações brasileiras para o país são de soja e ferro).
“Há um paredão tarifário. Se exportamos uma matéria-prima, a alíquota para entrar na China é zerada, mas se o produto é industrializado, o imposto sobe para 30, 40%”, diz o vice-presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp, Carlos Antonio Cavalcanti, para a Folha de São Paulo (11/11/2008).
O Brasil exporta ferro (e ganha US$ 110 por tonelada), mas importa trilhos da China (e paga US$ 850 por tonelada). Inicialmente o Brasil exportava óleo de soja para a China. Agora a China importa os grãos e industrializa. A mesma coisa aconteceu com o café solúvel.
Mas e a grande reserva de US$ 200 bilhões?
O fato é que Brasil ainda é dependente de capitais especulativos de curto prazo no equilíbrio das contas externas, e o país é vulnerável à fuga de capitais.
“O fato de o Brasil ter US$ 208 bilhões em reservas deixa o país mais seguro, mas, ainda assim, existem quase US$ 3 em capitais especulativos que podem sair a qualquer momento para cada US$ 1 em reservas”, escreve Folha de São Paulo 21/09.
No mesmo artigo é citado Yoshiaki Nakano, economista da Fundação Getúlio Vargas: “pelo seus cálculos, as reservas internacionais equivalem hoje a 35% de tudo o que existe em depósitos no sistema financeiro que podem ser sacados da noite para o dia, em quadro de pânico geral. É a mesma relação de abril 1998, na época, as reservas alcançaram US$ 76 bilhões e evaporaram em poucos dias…”
O economista César Benjamin escreve no mesmo jornal (01/10):
“Desde 2002, mais de 80% do que recebemos do exterior, na forma de saldo comercial, foi enviado de volta, na forma de remessa de serviços e rendas. O pequeno saldo restante fica longe de explicar o acúmulo de cerda de US$ 200 bilhões em reservas, alardeado como sinal de solidez. A maior parte dessas reservas foi formada com capital externo de curto prazo, atraído ao Brasil pelos juros altos e aqui distribuídos em ativos dotados de elevada liquidez.”
Não é a toa que o Brasil ainda tem os juros reais mais altos do mundo, ano após ano. Sem ele, poderíamos ver uma fuga de capital. Mas se o real continua a perder valor contra o dólar, grande parte desse capital especulativo pode deixar o país. Uma crise aguda como a que atingiu o México em 1994-95, pela exatamente mesma razão, não é descartada.
Desigualdades
Apesar do crescimento dos últimos anos, o Brasil continua um país com grandes desigualdades. Segundo o Ipea, os 10% mais ricos detém 75% da riqueza. Segundo os dados mais antigos disponíveis, no final do século 18, os 10% mais ricos no Rio de Janeiro tinham 68% das riquezas. A desigualdade ainda está no mesmo patamar que quase 300 anos atrás!
Ainda segundo o Ipea, os 10% mais pobres pagam 44,5% mais impostos que os 10% mais ricos, como parcela de sua renda. Os 10% mais pobres pagam 32,8% de sua renda e os 10% mais ricos pagam 22,7%. Isso se dá pela grande quantidade de impostos indiretos (impostos sobre mercadorias e serviços), o oposto de impostos diretos (que são sobre a renda) e que afetam os mais pobres. Além disso, não há impostos sobre as grandes fortunas, e o imposto máximo sobre renda é só 27,5%, seja para quem ganha R$ 2.500, 20.000 ou 2 milhões mensais!
O governo esta planejando uma reforma tributária que pode aumentar a progressividade do imposto de renda. Mas por outro lado propõe também a implementação de um DRE (Desvinculação das Receitas Estaduais), um equivalente ao DRU (Desvinculação das Receitas da União) que já existe, que permite gastos menores na área social do que está fixado na Constituição. Isso significa que fica livre para os governos estaduais diminuir os gastos com saúde, educação, etc.
Os capitalistas farão tudo para jogar o peso da crise nas costas dos trabalhadores. Sem uma luta forte e conjunta por parte da classe trabalhadora, essas desigualdades voltarão a crescer.
Apesar da participação dos salários da renda nacional crescer nos últimos anos, o nível ainda é bem abaixo de 1990, segundo Ipea. Nos anos 50, os salários no Brasil representava 56% do PIB. Em 1990 era 45,4%, e caiu para 38,5% em 1996. Em 2007 era 41,7%, segundo o Ipea.