Capitalismo em crise – uma explicação marxista
2002-2006 – Prelúdio da crise
Cresce a bolha imobiliária
Com a crise das Savings&Loans na década 80, o governo americano promoveu um mercado secundário de hipoteca, para tornar líquido os contratos de longo prazo. Os empréstimos imobiliários passaram a ser agregados e revendidos pelas instituições no mercado financeiro, liberando assim os credores primários a fazer novos empréstimos. Os empréstimos foram fatiados, securitizados e redistribuídos para diversos agentes em todo o planeta. Contratos de alto risco tornavam-se dessa maneira títulos “sem risco”.
Após a crise de 2001 o mercado estava crescendo, e também a concorrência atrás de novos clientes, tomadores de empréstimos imobiliários. Surgiram novos contratos com condições mais vantajosas para atrair novas pessoas a tomarem empréstimos. Havia empréstimos de até 125 anos, com quase nada de amortização, no qual você só pagava os juros. Estes podiam ser super-baixos (até 1%) no primeiro ano, etc.
Além disso, foi aberta a possibilidade para pessoas sem renda comprovada, com nome sujo, sem documentos etc., a também fazerem empréstimos com juros mais altos (apesar de terem sido oferecidos a juros mais baixos no início).
Em 2006, 30% das novas hipotecas eram de maior risco (subprime), sendo que em 2002 eram cerca de 6%. “Alt-A”, com documentos incompletos (grau a cima do subprime), era 13% das novas hipotecas em 2006. 80% dos empréstimos de subprime em 2006 tinham uma entrada com juros baixos.
O mercado de subprime chegou a US$ 1,8 trilhões, de um total de US$ 12 trilhões de empréstimos imobiliários. 75% desses empréstimos eram empacotados em forma de “securities”.
O setor imobiliário e de construção civil equivale a 23% do PIB dos EUA, mas entre 2001 e 2006, a construção e setores à ela ligados eram responsáveis por 69% da criação de trabalho no setor privado. Entre 1995 e 2006, o setor imobiliário foi responsável pela metade do crescimento dos EUA.
Historicamente, os valores imobiliários seguiam a variação do resto da economia. Mas entre 1995 e 2006, os preços imobiliários cresceram 70% além da inflação.
Como resultado da bolha imobiliária, a riqueza aumentou com US$ 8 trilhões no papel, gerando um “efeito riqueza”. Desde 2001, o crescimento do consumo privado dos EUA excedeu o crescimento da renda com US$ 270 bilhões por ano. As famílias chegaram a usar as casas como um “caixa eletrônico”. No auge da bolha, em 2005, os donos de casas fizeram um saque total de US$ 780 bilhões. As famílias se endividavam, fazendo regularmente novos empréstimos usando a casa como segurança. Enquanto o valor das casas aumentava, os bancos aceitavam.
Nesse período, bolhas imobiliárias também cresceram em vários países da Europa como a Grã Bretanha, a Espanha, a Irlanda e a Suécia.
A queda da inflação…
Apesar dos juros baixos, a pressão inflacionária que costuma acompanhar esses períodos, foi pequena. Dois fatores seguraram inflação no mundo:
1. Excesso de capacidade em nível mundial, resultado de um longo período de queda no crescimento mundial. Apesar do último “boom” tecnológico e o crescimento das economias asiáticas nos anos 80 e 90, a globalização não estimulou um crescimento generalizado no mundo. Segundo os dados da ONU, o crescimento médio do PIB mundial era em média 5,4% nos anos 60, 4,1% nos anos 70, 3% nos anos 80 e 2,3% nos anos 90. O resultado foi um enfraquecimento da demanda de mercadorias, comparado à capacidade de produção.
Em 1997, durante a crise asiática, o presidente da General Electric, Jack Welch disse: “Existe um excesso de capacidade em quase todas as indústrias” (New York Times, 16/11/2007). A ofensiva neoliberal restaurou os lucros, mas reduziu os salários dos trabalhadores, o que limitava mais ainda o mercado.
2. Os preços também foram pressionados, especialmente no fim dos anos 80 e nos anos 90, pela aplicação de novas tecnologias, o que aumentou a produtividade, ajudou cortar os gastos com mão de obra, mas também com energia e matérias primas. Nova tecnologia, especialmente de comunicação, num contexto de economia mundial desregulamentada, permitiu uma transferência em larga escala de produção para países com salários baixos, como a China. Começou com setores intensivos em mão de obra como têxtil, calçados, brinquedos, mas se espalhou também para microchips, televisões, carros e computadores.
Apesar do excesso de capacidade, as empresas continuaram a investir em novas fábricas, tentando baixar os gastos e aumentar a sua participação no mercado. Enquanto as exportações mundiais cresceram 7,3% ao ano em 1991-2000, o preço das mercadorias manufaturadas caía -0,8% por ano. Nos EUA estimam-se que nos últimos 10 anos as importações chinesas ajudaram a reduzir os preços das mercadorias importadas em 25%.
Por outro lado, o excesso de capital manteve-se mais nos mercados financeiros, inflando os valores das ações, imobiliárias etc. Quando esses mercados começaram a mostrar problemas e não davam o mesmo retorno, vimos um movimento dos grandes fundos para commodities, inflando rapidamente os valores do petróleo e dos alimentos. O aumento desses normalmente não foi gerado pelo capital especulativo, mas por outros fatores (no caso do petróleo: aumento da demanda, falta de investimentos e temores de distúrbios e no caso dos alimentos: concorrência com os biocombustíveis, problemas climáticos). Mas o capital especulativo viu que podia lucrar com o aumento dos preços e, entrando em grande escala, ajudou a inflar rapidamente os preços, gerando uma bolha especulativa em vários casos.
… começa a se reverter
No último período, o efeito da China na inflação começou a se reverter. Os preços das mercadorias chinesas não caem mais. Os salários médios chineses subiram nos últimos 15 anos de US$ 50 para US$ 150. A grande demanda por matérias primas também ajudou a elevar os preços das commodities. A desaceleração chinesa leva a uma queda no preço das commodities. China é o maior consumidor mundial do cobre, aço, carvão e alumínio, respondendo por 40% do consumo mundial dessas commodities.
Aumento dos preços de alimentos
Entre 2006 e 2008, o preço médio mundial do arroz aumentou 217%, o do trigo 136%, o milho 125% e a soja 107%.
Neste ano, esses aumentos causaram uma onda de protestos em países pobres, pois levaram a um crescimento da pobreza e da fome.
Em abril, 10 mil trabalhadores em Bangladesh protestaram na capital Daca, quebrando carros e ônibus e depredando fábricas contra o aumento dos alimentos e os baixos salários.
Em Camarões, em 15 anos durante o mês de fevereiro houve os mais intensos motins.
No Haiti, onde os pobres comiam bolinhos de barro com óleo e mel para espantarem a fome, os protestos levaram à queda do governo.
Mas a desaceleração da economia já está diminuindo a demanda de várias commodities. Quando elas começaram a cair de preço, os fundos se retiraram rapidamente para garantirem os seus lucros; isso acelerou ainda mais a queda dos preços. Os preços das commodities nunca caíram tão rápido, com o preço do petróleo caindo pela metade em poucos meses.
A bolha do petróleo
No fim dos anos 90, o preço do petróleo estava em cerca de 20 dólares o barril (cada barril equivale a 159 litros). Parte dos planos por trás da guerra do Iraque era tentar aumentar a oferta de petróleo barato, tomando conta das grandes reservas do país. Falava-se em trazer o preço do petróleo abaixo de US$ 10. A fala das “armas de destruição em massa” e a suposta ligação do Saddam Hussein com o ataque de 11 de setembro de 2001, eram só pretextos. O plano dos “neoconservadores” ao redor de Bush para o Oriente Médio já estavam traçados antes do ataque. O resultado foi o oposto. Ao invés de uma breve guerra, onde os estadunidenses seriam saudados como os salvadores, a vitória contra Saddam Hussein foi seguida por uma forte resistência e tudo menos calma na região. Isso juntamente com o aumento de demanda de petróleo por parte principalmente da China, elevou o preço do barril de US$ 22 em 2002 para US$ 66 em 2006.
Com a desaceleração do mercado imobiliário nos EUA, os especuladores, em busca de novos mercados, voltaram para commodities (não só petróleo, mas também alimentos, minerais etc.) O fluxo de capital para os grandes fundos de commodities aumentou de US$ 13 em 2003 para US$ 260 bilhões em 2006. Isso levou a um surto do preço do petróleo que chegou a custar US$ 147, um novo recorde histórico (o recorde anterior foi em abril 1980, após a Revolução Iraniana, quando chegou a US$ 101,70, valor ajustado para o valor do dólar de hoje).
O fato é que o consumo tem caído nos últimos dois anos e meio, segundo The Economist, justamente no período em que o preço subiu de US$ 60 até US$ 147. Isso mostra que a especulação foi o fator decisivo atrás do surto no preço.
O superávit comercial dos países exportadores de petróleo aumentou o equivalente de 0,1% do PIB mundial em 1999 para 1,4% em 2006. Entre 2002-2006, os países que importam petróleo transferiram US$ 1,8 trilhões, o equivalente à 4% do PIB mundial para os produtores de petróleo. Uma grande parte desse dinheiro foi reciclado no mercado financeiro e usado em especulação, como após a crise do petróleo nos anos 70.
Há um enorme desequilíbrio no mundo também no consumo de energia. Os EUA consomem 25% da energia, mas tem só 5% dos recursos energéticos. Dos 520 milhões de carros no mundo, 200 milhões rodam em ruas estadunidenses!
O controle do petróleo é ainda uma questão chave no mundo. Já vimos a guerra do Iraque. Mas o petróleo também foi um fator por trás a guerra no Afeganistão. O conflito entre os EUA e o Irã é mais sobre petróleo do que sobre uma suposta bomba nuclear. A Ásia Central é uma região importante. Os gasodutos e oleodutos no Cáucaso também são os ingredientes no conflito da Geórgia.
Apesar do aumento do preço do petróleo e da demanda mundial, faz um tempo que as gigantes empresas petrolíferas estão investindo pouco em nova produção, contentando-se com os grandes lucros com a capacidade atual, já que uma desaceleração mundial deve levar a uma queda de demanda. Ao invés de investir em nova produção, ou fontes renováveis de energia, as petrolíferas distribuíram grande parte dos superlucros aos acionistas. Desde 2005, as cinco maiores petrolíferas (Exxon/Mobile, ChevronTexaco, ConocoPhillips, BP e Shell) compraram de volta ações do mercado (e assim devolveram o dinheiro de volta aos acionistas) por um valor de US$ 170 bilhões. A produção mundial tem caído no último tempo, mesmo antes do último anúncio de corte de produção do OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo, composto por 13 países que controla 78% das reservas, 40% da produção e 60% da exportação de petróleo do mundo).
A tendência de aumento da inflação é enfraquecida pela desaceleração mundial atual com queda nos pr
eços das commodities (o petróleo despencou para abaixo de US$ 50 por barril), mas pode ser retomada no futuro.
Acúmulo de dívidas
O crescimento mundial tem se dado principalmente pelo eixo EUA-China. Em 2006, esses dois países respondiam por quase 40% do crescimento mundial. O crescimento continuou a ser sustentado pela montanha de dívida dos EUA. Até os anos 80, os EUA era o maior credor do mundo, mas se tornou o maior devedor.
Todos os setores da economia têm grandes dívidas. O total de dívidas nos EUA (públicas, empresas, pessoas físicas) em 2007 era de US$ 53 trilhões.
Em 2004, a estimativa era que existia 1,2 bilhão de cartões de crédito, só nos EUA! A dívida dos domicílios aumentaram de 50% do PIB em 1980 para 140%, ou US$19,6 trilhões, segundo Folha de São Paulo (11/10).
A dívida do setor financeiro também aumentou rapidamente, de 21% do PIB em 1980, para 116% do PIB em 2007. No próximo período devemos ver uma explosão da dívida pública dos EUA, que já pode ultrapassar 100 % do PIB no final de 2008.
Há também outros países com grandes dívidas. Na Grã Bretanha, as dívidas pessoais superaram 2007 pela primeira vez o valor do PIB, com um total de dívidas de US$ 2,6 trilhões, segundo a BBC.