Economia Global – que recuperação?

Uma forte recuperação no mercado de ações nos últimos meses tem sugerido que o capitalismo global se recuperou de sua ‘experiência de quase morte’ há um ano atrás, após o colapso do Lehman Brothers. Falas sobre ‘brotos verdes’ tem crescido nas últimas semanas com previsões de recuperação econômica cada vez mais otimistas. Os mercados financeiros já estão precificando esta suposta recuperação, com crescimentos dramáticos no último semestre. O Índice Mundial MSCI, que mede todos os principais mercados de ações, cresceu 59% desde março – o maior ganho desde seu início em 1970. Isso equivale ao “maior crescimento nas bolsas desde os anos 30”, de acordo com um analista que obviamente não percebe a ironia de suas palavras.

O que ocorre com os mercados financeiros está em total desacordo com o real estado da economia. Eles têm diminuído as espetaculares perdas dos últimos 18 meses baseados numa onda sem precedentes de liquidez financiada pelos governos. Bancos, que receberam trilhões de ajuda, estão novamente se envolvendo em especulação de alto risco e lutando contra tentativas de se regular e limitar tais atividades. Os líderes políticos e dos bancos centrais do mundo conseguiram, através de enormes intervenções estatais, inflar uma nova bolha financeira, que provavelmente terá vida curta e logo poderá abrir caminho para novas ondas de pânico financeiro. Este é especificamente o caso se a tão falada recuperação falha em se materializar ou então se conforma numa recessão de “duplo mergulho”, em formato de W.

Tal como a Confederação Sindical Internacional (CSI) indicou em sua declaração prévia ao encontro do G20: “As sementes de outra crise já estão sendo semeadas”. A massiva injeção de liquidez pelos governos, medidas de salvamento dos bancos e programas de estímulo como corte de impostos e apoio à vendas de carros e casas, serviram para amortecer a queda econômica, mas ao custo de déficits recordes e da piora dos já insustentáveis desequilíbrios da economia global.

É digno de nota que os mesmos que hoje proclamam o fim da recessão global são aqueles “especialistas” que não notaram os sinais de perigo na última vez. São muito apropriadas as palavras de Geoge Orwell: “Linguagem política é feita para fazer mentiras parecerem verdades e homicídio respeitoso; para dar a aparência de solidez ao puro vento”. Na verdade, na melhor das hipóteses há uma estabilização da economia em seu novo e baixo patamar, ao qual caiu no final de 2008. Um editorial do Financial Times (27 de julho) resumiu isso quando explicou que “Muito dessa recuperação reflete as leis da física. Se você deixa algo cair no chão, isso quica.”

O comércio mundial, que impulsionou o crescimento econômico por décadas, sofrerá sua primeira contração desde 1982, mas desta vez a queda é muito maior – cerca de 10%. A União Européia, maior mercado da China, recentemente anunciou que sua própria “recuperação” começou. Mesmo assim espera uma queda de 4,1% do PIB este ano e uma queda de 0,1% em 2010. A última previsão da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para a economia americana é uma queda de 2,8% este ano. “Estamos indo para um longo período de economia fraca, doente”, prevê Stiglitz, ex-economista chefe do Banco Mundial. Estas avaliações burguesas mais sóbrias confirmam o que o CIT e demais marxistas têm dito. Nós avisamos que o mundo não está enfrentando uma queda cíclica “normal”, mas uma crise orgânica, estrutural do capitalismo, que durará anos, com períodos de contração mais aguda e recuperações temporárias – recuperações fracas que majoritariamente excluem a classe trabalhadora de qualquer alívio.

A volta do keynesianismo – quem ganha?

Governos do mundo todo, liderados pelo capitalismo americano, desembolsaram programas de resgate keynesianos (em referência ao economista britânico John Meynard Keynes) sem precedentes para fortalecer os bancos, cortar as taxas de juros a quase zero e injetar quantias massivas de liquidez. O FMI calcula que os países ricos gastaram 9,2 trilhões de dólares em apoio estatal ao setor financeiro, enquanto as pobres ‘economias emergentes’ gastaram um igualmente impressionante 1,6 trilhão de dólares. Um editorial do South China Morning Post (15 de setembro) comentou: “A crise enfraqueceu seriamente a ideologia do livre mercado. Ela deu ímpeto ao capitalismo de estado e intervenções estatais, um modo de governo pregado por muitos países em desenvolvimento, mais notavelmente a China. Das mais avançadas economias capitalistas aos pobres países em desenvolvimento, o mundo tem visto o estado se tornar o ator econômico dominante”.

A cada dia fica mais claro, porém, que são sobretudo os ricos, banqueiros e especuladores que ganham com essas políticas. Governos nos principais países capitalistas transferiram as perdas do setor financeiro para o setor público, nas costas dos que pagam impostos. Isto é “socialismo para os ricos”, como muitos comentaristas econômicos têm chamado, ou como outros dizem, “socialismo com características americanas”. Desnecessário dizer, estas políticas – que são projetadas para defender o capitalismo numa época de crise – não tem absolutamente nada em comum com o socialismo. Mas apesar de um abandono verbal do neoliberalismo e ataques no “culto ao mercado”, como dito pelo presidente francês Sarkozy, para as massas os governos continuam e até intensificam os ataques neoliberais sob a forma de cortes salariais, privatização e cortes orçamentários.

Há um debate em andamento dentro da classe dominante sobre uma “estratégia de saída”, indicando que a fase keynesiana atual é vista como temporária. A maioria dos regimes capitalistas entendem que uma “saída estratégica” – re-equilibrando orçamentos, aumentando as taxas de juros e retirando as políticas de estímulo – é impossível no momento. Mas suas discussões são um aviso de o que está por vir: esta “saída” é um código para ainda maiores cortes e uma jogada para fazer a classe trabalhadora pagar a conta pelas atuais medidas contra a crise. Estes ataques serão pintados com as cores de “salvamento nacional”, com apelos à sacrifícios em nome do bem comum, quando na realidade eles significam que os pobres precisam fazer sacrifícios pelo bem dos ricos.

Esta continuação de neoliberalismo não diluído é mais óbvio em economias que quase foram a falência com a crise. Na Letônia, sob a pressão do programa do FMI e da UE, metade dos hospitais foram fechados e o salário de professores foi cortado em um terço para garantir cortes orçamentários. A Islândia, arruinada por seus bancos privatizados, foi ordenada pelo FMI a cortar o orçamento estatal em um terço nos próximos três anos. Mas os ataques neoliberais não estão confinados apenas a esses países em crise. No Japão, que embarcou numa forma de estímulo keynesiano bem antes dos outros países, também não foi a classe trabalhadora que se beneficiou desses pacotes: entre 1994 e 2007, a renda doméstica anual caiu 16%. O crescimento da pobreza sem dúvida é um dos fatores responsáveis pela imensa queda de votos que expulsou os Liberais Democratas do governo em agosto.

As políticas de estímulo econômico tiveram pouco impacto no desemprego que cresce em todo o mundo. Na China, o principal núcleo pensador do governo, a Academia Chinesa de Ciências Sociais, relatou que 41 milhões de empregos sumiram nos últimos 12 meses – um recorde mundial de destruição de empregos. Isso se traduz na perda de 3,4 milhões de empregos por mês. Menos da metade, cerca de 18 milhões, encontraram novos empregos de acordo com o relatório. Nos EUA, 6,9 milhões de empregos sumiram desde o fim de 2007. Isso levou o desemprego para mais de 25 milhões em termos reais, ou seja, contando com os subempregados e aqueles que desistiram de procurar emprego. Isso não apenas denuncia a situação da economia – que dezenas de milhões estão sendo expulsos dos processos produtivos, ao contrário dos ganhos ilusórios criados por banqueiros e truques financeiros – mas o desemprego em massa e rendas em queda arrastam a economia mais pra baixo, diminuem o consumo e aumentam as taxas de inadimplência em empréstimos.

Apesar de falar em recuperação, a OECD prevê que outros 25 milhões de trabalhadores nos países desenvolvidos perderão seus empregos até o fim do próximo ano. Além de desemprego, as companhias infligem sofrimento aos trabalhadores de outras maneiras: mais de um sexto das companhias americanas impuseram férias não-remuneradas aos trabalhadores e 20% pararam de pagar a previdência de seus empregados. Uma importante lição da longa crise japonesa (1990-2003) foi que salários em queda criaram um círculo vicioso de menor demanda de consumo e crescimento do endividamento doméstico. Esta é cada vez mais a trajetória seguida pelo mundo capitalista.

Coordenação global – ou guerra comercial?

A crise também desenvolveu uma demonstração sem precedentes de coordenação global, principalmente através do recém criado G20. Este organismo, que junta as velhas potências ocidentais e os países em desenvolvimento, especialmente da Ásia e América Latina, teve seu terceiro encontro para debater a crise em menos de um ano entre 24-25 de setembro. Isso reflete o grau de inter penetração nas economias mundiais atualmente. De acordo com McKinsey, o fluxo anual de capitais pelas fronteiras cresceu para U$11,2 trilhões em 2007, o que é mais que 20% do PIB mundial. Este valor era de 1,1 trilhão ou 5% do PIB global em 1990. A velocidade e força destrutiva dessa crise liderada pelos bancos americanos, também mostra que os estados capitalistas são mutuamente dependentes num grau nunca antes visto.

Mas numa base capitalista, ação conjunta internacional tem limites. Cada governo capitalista luta por vantagens para suas próprias companhias e mercados. Isso fica claro pelo agudo conflito que ocorreu entre a China e os EUA sobre pneus – uma disputa que ameaça escalar e poderia, a não ser que rapidamente desarmada, levar o conflito a assuntos mais importantes como o apoio da China ao dólar. O regime chinês protestou com vigor contra a decisão de Obama de impor uma medida protecionista com tarifas de até 35% sobre os pneus chineses. Deixando de lado os pneus, que só são responsáveis por 1,5 bilhões dos 340 bilhões de dólares que é o valor total das exportações chinesas aos EUA, os problemas pra China são bem maiores e remetem à sua entrada na OMC em 2001. Foi quando o governo anterior, liderado por Zhu Rongji, concordou com barreiras punitivas e unilaterais que ia além das regras da OMC e que podem ser usadas contra a China até 2013. Os negociantes da China relutantemente aceitam esses termos não apenas com os EUA – dezenas de outros parceiros da China podem invocar tais medidas para bloquear as importações da China. É por isso que Pequim provavelmente vai reagir com vigor contra as tarifas de Obama. Inicialmente vai tentar ganhar o terreno moral contra o protecionismo, mas já ameaçou revidar na mesma moeda contra produtos americanos, como frangos e autopeças. A ironia é que a maior parte das companhias americanas se opõem à medida – muitas são donas das fábricas de pneus chinesas que serão atingidas pelas tarifas.

Antagonismos nacionais estão enraizados no comércio capitalista, apesar destes antagonismos se desenvolverem de maneira dialética, refletindo mudanças políticas e econômicas. Novas alianças capitalistas são criadas e desfeitas. O G20 seguramente vai ouvir um chamado para concluir a “Rodada de Doha” do comércio mundial via OMC porque a classe capitalista aprendeu algumas lições da década de 30, quando um colapso de 70% do comércio mundial agravou a crise econômica. Ao mesmo tempo, tensões crescem além da disputa entre EUA e China sobre os pneus. No último ano, 17 dos estados do G20 tomaram medidas protecionistas uns contra os outros. A indústria da aviação dos EUA e Europa (Boeing e Airbus) estão engajadas num amargo duelo pelo domínio do mercado, com a Europa/Airbus recentemente perdendo um crucial julgamento da OMC por subsídio ‘injusto’. Na verdade, tais subsídios e outras formas de apoio estatal crescem em todo lugar, geralmente associados às últimas políticas keynesianas.

Os bancos doentes – deja vu de novo

Quando Ben Bernanke foi indicado para um novo mandato de quatro anos como presidente do banco central pela administração Obama, ele foi aclamado por ter “evitado uma segunda Grande Depressão”. Ele não merece os elogios – Bernanke é um dos arquitetos do fiasco do Lehman Brothers e a bolha de crédito que o precedeu. Os elogios também são prematuros. A ameaça de depressão de fato, apesar de ter recuado a curto prazo devido aos massivos investimentos estatais pós Lehman Brothers, não foi totalmente descartada, nem pode ser numa base capitalista. Os governos capitalistas preparam novas crises, mesmo enquanto eles tentam se livrar dessa.

Até agora neste ano, 92 bancos americanos faliram, comparados à 25 em 2008 e 3 em 2007. A maioria das falências foi de bancos regionais, mas inclui o Colonial Bank, 6ª maior falência bancária da história americana. Como AFP colocou, “os bancos regionais passaram por uma explosão de atrasos nos pagamentos, sobretudo nos estados mais atingidos pela recessão”, como Califórnia e Geórgia. Bancos regionais estão muito mais expostos ao setor imobiliário comercial (em oposição à propriedade residencial onde a crise do subprime se desenvolveu) e este é um sinal da ruína crescente no setor, onde o não pagamento das dívidas só cresce. Não pagamento de cartões de crédito representam ainda outra bomba-relógio para os bancos.

Enquanto isso, o preço dos imóveis nos EUA segue em queda, apesar de reduções de tributos e outras medidas para aliviar o setor, ameaçando mais problemas para alguns dos maiores bancos. O preço dos imóveis (Case-Shiller Index) caiu 32% desde o pico de 2006 e de acordo com o Deutsche Bank Securities, continuará em queda até 2011. No Japão, os preços das propriedades caiu mais que 50% após o estouro de sua bolha financeira em 1990. Elas continuaram em queda por treze anos, estabilizaram e tornaram a cair a partir de 2007. Especialmente quando desemprego crescente e cortes salariais são incorporados na equação, o palco está montado para mais falências e novas mega-perdas para os bancos. Previsões de mais 150-200 falências bancárias são comuns. Roubini acredita que mais de 1.000 instituições financeiras podem falir: “O sistema financeiro está seriamente danificado, e não só os bancos”.

Na depressão dos anos 30, o pior ano em termos de falências bancárias foi 1933, o quarto ano da crise. A crise atual está agora entrando em seu terceiro ano. Ela já custou muito mais que a crise de 30 – 25 vezes mais de acordo com TheStreet.com (23.108 dólares por pessoa na crise atual contra 821 dólares por pessoa na Grande Depressão, medidos na cotação atual do dólar).

Apesar de ataques populistas de todos os tipos na ‘ganância’ e na ‘cultura dos bônus’ dos grandes bancos e chamados por uma maior regulação e controle, todos os fatores que nos levaram à crise ainda estão presentes. Como o New York Times afirma (12 de setembro), “Um ano após o colapso do Lehman Brothers, a surpresa não é o quanto as coisas mudaram na indústria financeira, mas o quão pouco mudaram.” Eles dizem ainda que os grandes bancos “restruturaram apenas as arestas”. Como evidência disso, uma nova onda de bônus extravagantes começou com os maiores bancos de Wall Street planejando gastar 18,4 bilhões de dólares nos próximos meses. O presidente Obama avisa Wall Street para não “voltar ao comportamento irresponsável” e diz a eles que não haverão mais auxílios estatais. Mas o discurso duro não reflete a prática atual. Obama nem sequer apoia a tímida proposta de líderes europeus de limitar os bônus de executivos de bancos.

Os maiores bancos americanos e europeus já demitiram 300.000 empregados desde o início da crise. Ao mesmo tempo, a maioria dos executivos manteve seus empregos e seus salários estão voltando aos níveis anteriores à crise. Gillian Tett fez notar no Financial Times (04 de setembro) quão poucos financeiros foram condenados ou sentenciados por seus erros durante a crise, quando mais de mil funcionários foram presos por seu envolvimento no – bem menor – escândalo da Savings and Loans (S&L) de 1980. “Comparado aos dias da S&L, o nível de reação até agora é quase inexistente”.

As políticas americanas e de outros governos não fez qualquer efeito sobre os níveis monstruosos de dívidas ruins ou ‘tóxicas’ que arrastam o setor financeiro para baixo. Consequentemente, eles não minimizaram significativamente o risco de novos choques, colapsos bancários e pânico financeiro. “Os problemas são maiores do que em 2007 antes da crise”, diz Stiglitz. “Nos EUA e em muitos outros países, os bancos ’grandes demais para falir’ se tornaram maiores ainda.”

Como Lenin dizia, o monopólio é uma das características do estágio imperialista do capitalismo, assim como o predomínio do capital financeiro. Nos estudos de Lenin, particularmente de bancos e companhias alemãs a cem anos atrás, ele também notou como uma crise ou depressão pode acelerar a tendência ao monopólio. Os ‘peixes’ pequenos e até alguns bem grandões, sao engolidos pelos maiores. Nos EUA pós resgates estatais, três bancos – JPMorgan Chase, Wells Fargo e Bank of America – agora concentram 30% de todos os depósitos. Seu poder comercial cresceu enormemente. Mas apesar de uma onda de fusões, os estoques bancários de dívidas podres continua intacto. Na verdade, o governo dos EUA e vários outros optaram por atravessar o lamaçal da crise bancária, esperançosos de que uma recuperação (e aqui está o X da questão) permitirá aos bancos crescer até que se saia da crise.

“Repetindo o desastre da Savings&Loans de 1980, os bancos estão usando má contabilidade (eles são permitidos de contabilizar papéis tóxicos sem rebaixar o valor, esperando que eles talvez voltem a ter valor). Pior ainda, eles estão sendo permitidos a pegar empréstimos baratos do banco central dos EUA, sem caução e simultaneamente tomando posições arriscadas… Mas isto não vai levantar a economia rapidamente. E se a aposta não vingar, os custos aos contribuintes será ainda maior” (Joseph Stiglitz, no Project Syndicate, 11 de maio).

Então, os bancos voltaram aos seus velhos truques. Os grandes bancos tornaram rapidamente a ter lucros graças a uma contabilidade “criativa” – os cinco maiores bancos americanos dobraram seus lucros no segundo trimestre comparados ao mesmo período em 2008. O retorno aos lucros vêm do lado “banco de investimentos” (referente a ’inovação’ financeira, quer dizer, especulação) em vez de vir do lado “banco comercial” (que faz empréstimos e age mais amplamente). A melhora no mercado de ações e títulos, recuperação dos preços das commodities, e a retomada de fusões corporativas abriram suculentas oportunidades para a especulação. Para os bancos é uma situação de “cara eles ganham, coroa nós perdemos”. Como Stiglitz coloca no artigo citado, se as apostas dos bancos derem errado, eles receberão novos pacotes de auxílio estatal – apesar do que Obama diz – enquanto qualquer lucro, eles usam como querem (bônus mais altos para os chefes e mais apostas arriscadas).

Como Stiglitz mostra, os bancos hoje não só são “grandes demais para falir” (ou seja, o governo não tem escolha senão resgatá-los) mas também são “grandes demais para se gerir”. Enquanto isso não é sua intenção, essa constatação fortalece a posição em prol da nacionalização sob controle e gestão dos trabalhadores – nacionalização genuína, não mais auxílios governamentais. Tal é a ingerenciabilidade dos grandes bancos que não apenas os reguladores estão sempre ficando para trás, mas até os próprios executivos dos bancos não exercem controle real, de tão complexos que são tantos de seus negócios. Stiglitz e alguns líderes europeus querem limitar o tamanho dos bancos. Tais políticas foram tentadas antes, mas o capital monopolista inevitavelmente achou uma maneira de driblar essas medidas – dado o esmagador poder que eles tem dentro de uma economia capitalista. Este foi o caso nos anos 30, quando Franklin D. Roosevelt introduziu uma legislação anti-truste. Mas como Trotsky afirmou “a luta de Roosevelt contra os monopólios não foi coroada com maior sucesso que seus antecessores”. [Trotsky, O marxismo em nosso tempo, 1939]

É lugar comum dizer que um não se pode controlar aquilo que não lhe pertence, menos ainda começar planejar de maneira efetiva. É por isso que socialistas exigem uma nacionalização genuína dos bancos, mas também das grandes corporações industriais, com mínimas compensações, e sob controle democrático como parte de uma ampla mudança socialista da sociedade pelos interesses dos trabalhadores, não dos homens de negócios. Neste estágio da crise, apoio à idéia de nacionalização está confinada a uma pequena minoria. Este é o resultado de décadas de propaganda neoliberal retratando – com fatos falsos – que a propriedade estatal era “ineficiente” e “dispendiosa”, e a propriedade privada superior. Mas no próximo período, apoio à propriedade pública vai captar mais e mais terreno no debate político.

China ao resgate?

Há uma esperança generalizada entre os capitalistas internacionalmente de que a China irá puxar o mundo para fora da recessão. É um engano. Em comparação ao grave estado das economias ocidentais, o simples fato de que a China está a caminho de ver seu PIB crescer 8% este ano é impressionante. Mas como sempre, a manchete não conta a história toda, nem metade. Vamos lembrar que há dois anos atrás, o premier chinês Wen Jiabao afirmou que sua economia era “desequilibrada, instável, descoordenada e insustentável”. Isso foi numa época em que a China crescia quase duas vezes mais rápido que hoje.

O regime chinês lançou seu próprio pacote de estímulos em novembro passado, no valor de cerca 600 bilhões. Há um ano atrás, a economia estava ’caindo de um precipício’ – o crescimento do PIB provavelmente alcançou zero pelo começo do ano (independente de o que diz a informação oficial). Mas essa virada se deve principalmente a uma injeção recorde de crédito – 1,2 trilhão de dólares nos últimos 8 meses – por bancos estatais sob o regime monetário “moderadamente frouxa”. Estes novos empréstimos, mais que o pacote de novembro, é a história real do crescimento chinês. A quantidade de novos empréstimos é um recorde mundial, equivalente a quase 25% do PIB, com os bancos “atirando dinheiro pelas portas”, como disse um comentarista.

Isso parcialmente reverteu o colapso de produção sofrido devido à queda nas exportações (que caíram 22% nos últimos 8 meses). Mas isso também acumulou novos problemas para o futuro. O problema da China não é aumentar a produção, mas sim demanda: dados os baixos salários chineses e o agudo declínio no comércio mundial, quem vai comprar seus produtos? O governo pode resolver a situação por um período, mas não indefinidamente. Especialmente quando rivalidades provinciais, desperdício, duplicação de projetos e corrupção entram em jogo, a imensa expansão do crédito dos últimos meses enormemente exacerbou os fatores de Wen Jiabao em 2007 (“desequilibrada, instável, descoordenada e insustentável”).

O maior desequilíbrio é aquele entre os investimentos (45% do PIB) e consumo (apenas 35% do PIB). Investimentos gerados pelo regime de liberação de crédito foram responsáveis por quase 90% do crescimento do PIB no primeiro semestre, o que novamente é sem precedentes. Até onde vai o desperdício destes investimentos, incluindo infraestrutura e novos projetos industriais, é geralmente subestimada por comentaristas econômicos, impressionados pelo tamanho das cifras. Como um secretário do Partido Comunista em Guangdong disse: “Por exemplo, construir uma ponte é PIB, demoli-la é mais PIB e então a reconstruir de novo é também mais PIB. Uma ponte contribuiu três vezes para o PIB, gastando imensos recursos sociais mas formando riqueza social real apenas uma vez”.

Uma crise curta?

O regime chinês age sob a crença de que a crise global é temporária, e quando os negócios voltarem ao normal, vão se reconectar aos mercados globais com sua imensa e crescente capacidade industrial. Nós marxistas discordamos deste cenário e argumentamos que o mundo capitalista entrou em um novo período: a crise não é temporária e um retorno à normalidade nos negócios nas condições do começo da década não ocorrerá.

A produção de aço – o esqueleto de uma sociedade industrial – é um exemplo dos graves desequilíbrios já evidentes na China. A indústria sofreu uma expansão de tirar o fôlego: A China agora tem 7.000 siderúrgicas, o dobro do que tinha em 2002. Siderúrgicas chinesas tem a capacidade de produzir 660 milhões de toneladas de aço anualmente, mas de acordo com o Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação, a demanda total para consumo doméstico e exportação será de apenas 462 milhões de toneladas neste ano.

Correspondentemente, a capacidade utilizada cairá de 83% ano passado para 74% este ano. A Associação Chinesa de Aço e Ferro advertiu que tempos difíceis virão se o regime de liberação de crédito atual terminar. “Sobrecapacidade é a principal preocupação para a indústria siderúrgica chinesa”, disse o economista chefe da associação, Li Shijun. “Grandes níveis de produção de aço não podem ser sustentados se os investimentos diminuírem devido a um aperto dos empréstimos bancários.”

Foi exatamente este medo, de que o governo seja forçado a apertar as condições de crédito que engatilhou agudos balanços na bolsa de Xangai nas últimas semanas. Como o professor Xu Xiaonian da Escola Internacional de Negócios China Europa avisou, “A China perderá o gás e desacelerará. 8% de crescimento parece algo fácil de se conseguir mas logo virará um luxo. Sobrecapacidade já é um problema… e todos sentem na pele. A recuperação não é sustentável, o governo está liberando crédito como louco.”

De acordo com uma pesquisa do banco RBS, quase metade dos novos empréstimos (mais de 1 trilhão de reais!) foi para canais puramente especulativos – o mercado de ações e imobiliário. Quando esta nova bolha estourar como é de se esperar – o mercado de ações de Xangai cresceu improváveis 90% em 2008 – uma onda de calotes bancários ocorrerá. Da mesma maneira, a recente subida nos preços de propriedade se devem amplamente a alta liquidez e deverão tornar a cair assim que o atual regime de liberação de crédito acabar.

A chamada recuperação da China é portanto frágil (algo que Wen Jiabao também reconhece) e traz consigo o potencial de revezes semelhantes da atual situação global. A idéia de que a China puxará a economia global para fora da crise é pura fantasia. O consumo interno chinês “pigmeu” é de cerca de 1,5 trilhão de dólares, comparado a 22 trilhões combinados dos EUA e Europa. Dessa forma, para compensar 1% de queda no consumo dos países ocidentais, deveria haver um aumento de 15% do consumo chinês. De qualquer modo, as políticas chinesas tiveram um efeito mínimo sobre a criação de empregos e crescimento da demanda, ou seja, consumo. É um pequeno segmento, de cerca de 10% da população – afluentes moradores das cidades – que conta pela maior parte do consumo na China. Trabalhadores sofreram cortes salariais como seus companheiros de outros países e não se sentem economicamente “estimulados”.

Estes poucos fatos sublinham o quanto processos na economia chinesa estão conectados aos processos globais. A China não é imune ou “descolada” da crise global capitalista e as tentativas do regime de superar o que eles equivocadamente veem como um trecho de turbulência econômica extrema porém temporária, estão fadadas ao fracasso, produzindo novos choques econômicos. Um desses choques poderia ser o de uma crise bancária chinesa trazida justamente pela política de crédito “moderadamente frouxa” atual. Outra poderia ser uma escalação de tensões comerciais que levaria o regime chinês a desfazer de suas gigantescas reservas em dólares. Estes choques irão afetar a arena global, esmigalhando esperanças de que a China é a salvação do capitalismo. A necessidade de uma alternativa socialista, um economia democraticamente planejada e ambientalmente sustentável, na China e globalmente, nunca foi mais relevante ou urgente. 

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