Declaração fundacional do Rosa: Por um feminismo socialista internacional

Em todo o mundo, as mulheres lutam contra a violência, a discriminação e a opressão. Há uma crescente consciência de que o sistema capitalista alimenta e cria opressão. Temos de nos levantar, desde abaixo, e apoiar mutuamente as lutas em todos os países. Seguindo os passos da pioneira socialista Rosa Luxemburgo e da heroína da resistência Rosa Parks, nós, que nos organizamos no ROSA, somos feministas socialistas, queremos contribuir para a mobilização contra o sistema capitalista e para uma luta internacional contra a opressão das mulheres.

As trabalhadoras são fortemente exploradas no capitalismo. As mulheres ganham 24% menos que os homens em todo o mundo. Elas realizam mais de 75% do trabalho doméstico não remunerado. As mulheres compõem a maioria dos pobres de hoje. Uma em cada três mulheres em todo o mundo sofreu algum tipo de violência física ou sexual em sua vida. Não precisa ser assim!

Na América Latina e na Rússia, por exemplo, a grande epidemia de feminicídio se tornou visível e tem sido combatida pelo crescente movimento feminista. O controle sobre os corpos das mulheres pelos governos se estende desde a imposição do que devemos vestir, aos limites do direito de tomar nossas próprias decisões sobre gravidez ou maternidade, ao exercício do poder por meio de estupro e assédio sexual. Uma visão sufocante da sexualidade estigmatiza tudo o que está fora ou é diferente da norma heterossexual. Todas/os nós sofremos com isso de uma maneira ou de outra. Os papéis de gênero na sociedade de hoje ensinam os homens desde o início a ocupar mais espaço e as mulheres a serem mais passivas.

Unimos forças e nos tornamos fortes em nossa voz comum, nos indignamos, exigimos controle sobre nossos próprios corpos. As lutas das mulheres conquistaram algumas vitórias importantes nos últimos anos, como as lutas coletivas #MeTooNi Una menos e outras que aumentaram a conscientização contra o assédio sexual, o que levou à criação de leis mais rígidas e programas de ação sindical em alguns países. As greves de trabalhadores do McDonalds e do Google sobre esse assunto foram vitais para mostrar como podemos vencer. Em outros lugares, houve avanços como a introdução do direito ao aborto ou a abolição das leis que obrigavam a mulher a se casarcom seu violador.

Mas tão logo o movimento esfrie, a opressão aumentará novamente. Os exemplos incluem tribunais que deixam em liberdade os autores das violências e julgam as vítimas de estupro. Como um projeto de lei para se casar com seu violador, que foi reintroduzido no Parlamento Turco após ser rejeitado pelo movimento em 2016. Os militares ainda usam o estupro como arma de guerra.

Os capitalistas obtêm enormes lucros através da exploração do trabalho assalariado e da opressão das mulheres trabalhadoras com as piores condições e os salários mais baixos. Os governos reduzem o Estado de Bem-Estar Social até ficar de joelhos enquanto os ricos e as máquinas de guerra estão nadando em dinheiro. Os poderosos estão conscientemente promovendo sexismo, racismo e opressão LGBTQ + para estabelecer grupos diferentes e jogá-los uns contra os outros. Mesmo em países que foram precursores “progressistas” no mundo, há contratempos tanto no aumento das diferenças de classe quanto na igualdade de gênero. É inerente ao sistema.

O capitalismo deve ser abolido. É um sistema que utiliza e reproduz a opressão patriarcal de gênero e a heteronormatividade todos os dias, ao conceder às mulheres e às pessoas LGBTQ + salários mais baixos e piores condições de trabalho. O capitalismo como sistema é baseado em desigualdade e destruição maciças, com crises econômicas em andamento. Neste momento, grandes somas de dinheiro são gastas em guerras comerciais para decidir qual poder global controlará o mercado mundial, qual poder imperialista terá mais espaço para empobrecer ainda mais os pobres, destruir a natureza e os direitos dos povos indígenas. As guerras começam como resultado dessa luta pelo poder imperialista com mortes, sofrimento e as marés de refugiados em seu caminho. Enquanto isso, o capitalismo nos aproxima de uma catástrofe climática completa, continuando sua exploração implacável do meio ambiente e despejando cada vez mais gases de efeito estufa.

A sociedade capitalista não poderia funcionar sem o grande número de horas dedicadas ao trabalho doméstico não remunerado das mulheres. Muitos desses trabalhos poderiam ser realizados de maneira mais eficiente e respeitosa com o meio ambiente, se organizados coletivamente em serviços públicos, assumindo coletivamente oa carga que recai sobre os ombros das mulheres.

Em 2019, houve revoltas contra a austeridade, a desigualdade sistemática e a corrupção em vários países, e as mulheres muitas vezes se organizaram e protagonizaram tais lutas. Alguns relatórios afirmam que as mulheres constituíam dois terços dos manifestantes no Sudão e mais de 40% dos ocupantes das praças no Iraque. O feminismo tem sido uma ponta de lança e aprofundou a revolta no Líbano. A canção feminista chilena contra o estupro e o Estado está se alastrando como um incêndio em um palheiro em todo o mundo.

Em vários exemplos, as forças estatais violam ou cegam as pessoas com balas de borracha para impedir que se levantem. Isso ocorre porque o Estado trabalha para proteger não apenas o neoliberalismo, mas toda a economia capitalista e a sociedade de classes. Alguns Estados estão permeados pela corrupção, opressão nacional e sectarismo religioso para governar por divisão, enquanto outros países chamados democráticos reduzem e privatizam a assistência médica e a educação, de modo que a vida de mulheres e trabalhadores se desfaz em pedaços.

Figuras como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump e o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, causaram indignação e movimentos massivos contra suas atitudes sexistas. No entanto, recorrer a ataques contra mulheres para obter o apoio de um pequeno setor conservador da população é um sinal de sua fraqueza, não de sua força. Movimentos de massa podem derrubar esses regimes. Também não há amplo apoio à sua intolerância. Em geral, a maioria das pessoas ao redor do mundo está indignada com a incapacidade do capitalismo de fornecer um padrão de vida decente e apoiam políticas da esquerda e até socialistas. Não houve uma força política estável capaz de expressar essa raiva, o que permitiu que organizações reacionárias populistas ou de direita preenchessem o vazio em alguns casos. Fornecer respostas e um caminho a seguir é uma das tarefas do movimento global de mulheres em geral e das feministas socialistas especificamente.

ROSA luta pelo socialismo democrático, que inclui:

  • Um salário digno, contratos adequados e horário trabalho em tempo integral.Abolir a diferença salarial e a disparidade de gênero, eliminando os baixos salários, mediante a redução dos lucros capitalistas e não pela via da intensificação da exploração de trabalhadores.
  • Uma redução significativa nas horas de trabalho em tempo integral, sem perda de salário. Isso aumentaria a seguridade social, a igualdade e proporcionaria renda para todas/os. O emprego deve ser seguro.
  • Bem-estar para todas/os. Seguridade social confiável, licença parental e pensões.
  • A sociedade deve ser responsável por acesso à saúde de qualidade, educação publica, laica, gratuita e de qualidade que inclua também  atenção integral à infância, uma vida decente na velhice, acesso fácil e acessível a necessidades básicas, como água, saneamento básico, aquecimento e eletricidade. A família não deve ser uma fonte de desigualdade. Precisamos de uma mudança que comece agora e que caminhe em direção à transformação da sociedade como um todo.
  • Lutar por moradia de qualidade, acessíveis e de propriedade pública, além de transporte público gratuito, seguro e ecológico: não podemos confiar no setor privado!
  • Lutar contra a objetificaçãoda mulher,pela autonomia do seu corpo e pelo direito da mulher de escolher. Contra o tráfico de mulheres e a exploração sexual em todas as suas formas.
  • A luta contra o assédio sexual, a violência de gênero e a objetificação deve incluir todos os setores da sociedade, desde a educação sexual nas escolas até a capacitação especializada para assistentes sociais, profissionais de saúde, polícia, tribunais e sindicatos.
  • Abaixo todas as leis patriarcais e a discriminação de gênero, pela abolição dos tribunais religiosos e a favor da separação entre religião e Estado. A classe trabalhadora, incluindo organizações femininas, sindicais e comunitárias, deve ter controle democrático sobre os juízes e a polícia para garantir que realmente façam justiça.
  • As corporações financeiras, como multinacionais e bancos, devem ser propriedade coletiva da sociedade e, ainda, serem controladas democraticamente, pela classe trabalhadora e pelos oprimidos de forma horizontal.
  • A sociedade deve funcionar democraticamente em todos os níveis, de baixo para cima, com representantes eleitos sem privilégios e com total transparência.
  • Uma transformação completa da sociedade. Aproveitar os recursos de setores-chave da economia, incluindo bancos e grandes empresas, transformando-os em propriedade pública assim criando uma economia livre de emissões de combustíveis fósseis e destinada a erradicar a pobreza e toda forma de opressão. A economia deve ser democraticamente planejada e controlada por trabalhadores.
  • Por um mundo socialista voltado para a paz e o bem-estar, contra a burocracia e a opressão. Isso possibilitaria que as pessoas vivessem em harmonia umas com as outras, com o ecossistema, a vida animal e a natureza em geral. Em um mundo socialista, podemos nos desenvolver como seres humanos, livres da restrição dos papéis de gênero e da opressão sexual.

É claro que as ideias feministas liberais de atrair mais mulheres para os parlamentos e salas de reuniões são um beco sem saída. Mulheres líderes como Theresa May na Grã-Bretanha, Angela Merkel na Alemanha e Christine Lagarde, diretora do FMI, apoiaram uma austeridade brutal que prejudica a vida, as oportunidades e os direitos das mulheres da classe trabalhadora. Precisamos mudar o sistema para alcançar a verdadeira igualdade, em vez de simplesmente incorporar mais mulheres às posições da classe exploradora. A luta por uma genuína mudança no sistema exige a união da classe trabalhadora, de todos os gêneros, e a luta por melhorias nas nossa vida cotidiana.

ROSA trabalha para que mulheres combativas, LGBTQ+ e movimentos de trabalhadores coloquem como princípio o feminismo socialista e o antirracismo no início. Toda forma de sexismo ou preconceito divide a classe trabalhadora, enfraquece a luta e deve ser combatida com determinação. O feminismo socialista inclui trabalhadores de todos os gêneros: lutas e discussões aumentarão a conscientização.

Quando estamos em greve, devemos ter certeza de atingir o sistema onde causa maior impacto, interrompendo a produção e, portanto, os lucros. As grandes empresas têm poder real sobre a sociedade e é isso que devemos desafiar.

A classe trabalhadora tem uma posição única e poderosa, porque somos o centro de produção. Suspender o trabalho por meio de greves e outras formas de luta pode exercer esse poder, paralisando países inteiros. Por classe trabalhadora, nos referimos a todas/os aqueles que precisam procurar trabalho remunerado (tanto na economia formal quanto no setor informal) como sua única fonte de renda, incluindo suas famílias.

Greves que impedem a economia não são suficientes. Quando ocorrem movimentos e greves de massa, devemos criar comitês nos quais as pessoas participem para decidir como executar não apenas o próprio movimento, mas a sociedade como um todo, movendo-se para desafiar o poder político do Estado.

A tradição do Dia Internacional da Mulher no 8 de março inclui a Revolução Russa, que começou neste dia em que as trabalhadoras têxteis entraram em greve. Isso levou a uma revolução na qual a classe trabalhadora assumiu o poder em outubro de 1917.

Hoje o internacionalismo e as lutas das mulheres estão se espalhando por todo o mundo. O feminismo socialista internacional crescerá e se unirá aos trabalhadores, às lutas antirracistas e climáticas. Com a classe trabalhadora na vanguarda, isso se tornará uma força incontrolável.

Defendemos

  • Protestemos em todo o mundo no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher! Greves e manifestações de massa nas escolas e locais de trabalho sempre que possível!
  • Por sindicatos democráticos e combativos que lutem pelos direitos das mulheres todos os dias do ano!
  • Pela criação de comitês feministas socialistas em escolas, locais de trabalho e comunidades onde surjam demandas e lutas!
  • Vamos lutar contra a extrema direita, bandidos reacionários, fundamentalistas religiosos e a violência de Estado!Trabalhemos para formar novos partidos políticos de trabalhadores, como uma ferramenta para unir a classe trabalhadora e todos os povos oprimidos, lutando por um programa socialista para a derrubada do capitalismo!

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