A vida de Fidel Castro e a Revolução Cubana
A morte de Fidel Castro, aos 90 anos, foi anunciada pelo seu irmão mais jovem e Presidente Raul Castro na televisão estatal cubana, na noite passada. Milhões de trabalhadores em Cuba e globalmente vão lamentar a morte do líder, que junto com Che Guevara é mais intimamente relacionado com a Revolução Cubana de 1959. Ao mesmo tempo, as forças do capitalismo e do imperialismo verão a morte de Fidel Castro como uma oportunidade para direcionar ao total restabelecimento do capitalismo na ilha. Tais forças reacionárias almejam destruir todos os ganhos remanescentes da revolução e economia planificada, incluindo as conquistas históricas em saúde pública e educação.
Abaixo, Tony Saunois olha para a vida e o legado de Fidel Castro assim como a Revolução Cubana. O artigo também discute qual é o futuro caminho para defender os ganhos da revolução, a questão vital da democracia dos trabalhadores e os desafios para o socialismo em Cuba e internacionalmente. Este artigo foi publicado primeiramente como uma crítica literária em 2008.
A publicação de “Minha Vida – Fidel Castro” (2007, em inglês), foi extremamente oportuna, já que Castro estava para renunciar do cargo de presidente somente alguns meses depois. Baseado em mais de 100 horas de entrevistas, as respostas dadas por Fidel Castro ao escritor francês e editor do Le Monde Diplomatique, além de fundador da ATTAC, Ignacio Ramonet, são muito reveladoras e esclarecedoras sobre a Revolução Cubana e os eventos mundiais desde 1959. Eles também revelam muito sobre a perspectiva e método políticos de Fidel Castro.
Castro aponta justificadamente os ganhos sociais impressionantes conquistados na medicina, saúde e educação como um resultado da revolução de 1959/60. “A expectativa de vida de cidadãos cubanos agora é quase 18 anos maior que em 1959, quando a Revolução chegou ao poder. Cuba tem uma taxa de mortalidade infantil de 6 por 1.000 nascidos vivos no primeiro ano de vida, atrás do Canada por uma margem pequena. Nós vamos levar a metade do tempo que a Suécia e o Japão para elevar a expectativa de vida de 70 para 80 anos de idade – hoje nós estamos em 77,5. ”
Na época da revolução, Castro observa, a expectativa de vida era de 60! Isto foi depois de 50% dos médicos fugirem para o exterior, logo após a revolução. Para cada médico que permanceu naquele tempo, hoje existem 15!
Educação gratuita é aberta para todos os desempregados e mais de 90 mil estudantes estão cursando medicina, enfermagem ou outros aspectos de estudos relacionados à saúde. Tudo isso, mesmo com um embargo econômico imposto pelo imperialismo estadunidense desde 1960 e um declínio econômico severo que seguiu o colapso da União Soviética em 1992, com consequente perda dos subsídios econômicos.
Essas e outras conquistas impressionantes mencionadas por Castro dão uma pequena noção do que seria possível com uma economia socialista planificada que fosse democraticamente controlada e gerenciada pela classe trabalhadora. Outro indício disto foi refletido em alguns aspectos da política externa cubana. Independentemente de ter mobilizado mais de 30 mil médicos para trabalhar em mais de 40 países, uma das conquistas mais impressionantes foi ter enviado dezenas de milhares de “voluntários internacionalistas” a partir de 1975 para Angola e Namíbia. Em Angola, 36 mil tropas puderam combater o exército do apartheid sul-africano e, pela primeira vez, infligir uma derrota militar sobre eles. As forças cubanas foram cruciais para libertar a Namíbia do regime sul-africano. “Em mais de 15 anos, mais de 300 mil combatentes internacionalistas cumpriram com sua missão na Angola”. Estas lutas foram importantes no colapso do regime do apartheid. Cuba foi, como Castro argumenta, “O único país não africano que lutou e derramou seu sangue pela África e contra o regime odioso do apartheid”.
Hostilidade e imperialismo estadunidense
Desde o começo, a revolução cubana despertou a ira do imperialismo estadunidense que procurou derrubá-la em numerosas ocasiões. Hoje, depois da renúncia de Castro, o imperialismo norte-americano e seus representantes estão esperando ansiosamente pela morte do regime cubano e o colapso da economia planificada, a qual eles tentarão usar para descreditar o “socialismo”.
O fiasco da “Baía dos Porcos” em 1962 é a mais conhecida intervenção do imperialismo estadunidense contra a revolução que seguiu o decreto de Castro da característica socialista da revolução.
Castro lista uma série de outros ataques tentados por exilados apoiados pelos EUA, o serviço de segurança norte-americano e outros reacionários contrarrevolucionários. “Em 1971, sob o governo de Nixon, a gripe suína foi introduzida em Cuba por um container, de acordo com uma fonte da CIA”. Em 1981, o vírus do dengue tipo II foi solto resultando em 158 mortes, 101 de crianças. De acordo com Castro, “em 1984 um líder da organização terrorista Ômega 7, com sede na Florida, admitiu que eles liberaram o vírus em Cuba com a intenção de causar o maior número de vítimas possível”. Houve mais de 600 planos para assassinar Castro.
Os ganhos sociais da revolução e a hostilidade brutal do imperialismo americano revelados nesse livro, ilustram porque Cuba é vista com tanta simpatia por vários trabalhadores e jovens internacionalmente, especialmente na América Latina. O mesmo é verdade no que se refere à Venezuela, entretanto, com uma extensão menor pelo fracasso da revolução avançar e derrotar o capitalismo. Tanto Cuba quanto Venezuela são percebidos como os únicos regimes preparados para resistir as investidas do capitalismo neoliberal durante os anos 1990/2000. Cuba ganhou uma simpatia generalizada como o único regime à esquerda preparado para enfrentar o colosso de Castro (e Hugo Chávez), justificadamente se referem como “O Império” – o imperialismo norte-americano.
O colapso da URSS
As respostas de Castro a uma série de questões, especialmente no que se refere ao colapso dos anos 90 da antiga União Soviética, revela um indivíduo bem instruído, que acompanhou atentamente a situação mundial. Isso leva Castro, depois das desastrosas experiências do restabelecimento do capitalismo na antiga união soviética, a ser contrário que o mesmo caminho seja seguido em Cuba. O fato de Cuba ter sobrevivido sem ter desmantelado completamente a economia planificada e restaurado o capitalismo é uma amostra das raízes sociais que a revolução estabeleceu. O regime vem sendo recentemente auxiliado nisto pela ajuda do óleo venezuelano. O regime cubano também conseguiu manter mais apoio quando enfrentou a política agressiva do imperialismo estadunidense.
Reveladoramente, Castro expõe o papel de Felipe González (o antigo líder do Partido Socialista Espanhol, PSOE), em persuadir o antigo líder soviético Gorbachev a apoiar a política de restauração capitalista. Isto foi implementado quando a burocracia, como um todo, migrou para o capitalismo. Gonzalez, com outros, como Manuel Fraga (um antigo ministro do regime fascista de Franco e Presidente de Galícia), tentou persuadir Castro a adotar o mesmo caminho nos anos 90. “Fraga foi uma das pessoas, junto com González e outros… que eram parte do grupo que foi muito insistente a me dar conselhos sobre economia quando a URSS colapsou. Ele me levou a um restaurante muito elegante a noite, e ele tentou me dar soluções também. ‘A solução para Cuba é a solução da Nicarágua’, ele disse, literalmente. ”
Castro rejeitou tal conselho. Ele disse que a solução proposta “…levou a Nicarágua ao abismo sem fundo da corrupção, roubo, negligência… terrível… eles quiseram que eu seguisse a solução russa, aquela que Felipe e seus conselheiros da elite pressionaram Gorbachev a seguir… e nada restou. Todos aqueles homens cujo conselho era seguir os princípios do neoliberalismo até a morte (privatização, conformidade com as regras FMI), guiaram vários países e seus habitantes ao abismo”.
Entretanto, por que Castro não se opôs a conselhos semelhantes dados a Tomás Borge e outros líderes sandinistas na Nicarágua nos anos de 1980, antes das suas derrotas?
Colapso da “globalização” e o papel da classe trabalhadora
Isolada e enfrentando um maremoto de políticas neoliberais internacionalmente nos anos 90, Castro revela sua abordagem naquele período. Na essência, Castro adotou uma política de comprar tempo. Isso estava ligado com a perspectiva de esperar a “globalização colapsar”. Isso, Castro antecipou, “levaria a uma situação mais crítica que 1929”. O capitalismo moderno, ele argumenta, se tornou tão monopolizado que “Não há capitalismo hoje, não há competição. Hoje, o que nós temos são monopólios em todos os grandes setores.”
Apenas 500 corporações globais controlam 80% da economia mundial. Ao olhar para a crise se desdobrando recentemente, Castro conclui “Não é mais somente uma crise no sudeste asiático, como era em 1977, é uma crise mundial, adicionada a guerra no Iraque, juntamente com imensas dívidas, aliada ao desperdício crescente e consequentemente custo de energia… além do déficit de parte do principal poder econômico e militar do planeta”. Um sistema que Castro conclui, “O mundo está sendo guiado para uma rua sem saída”.
No entanto, qual é a classe social que é capaz de combater tal sistema e construir uma genuína alternativa socialista democrática? Nesse livro, Castro também revela sua falta de entendimento de como e qual classe poderia derrotar no capitalismo e construir uma alternativa socialista democrática. Isto o leva a adotar ideias e métodos contraditórios. Ao longo do livro todo, não há nenhuma referência à classe trabalhadora e seu papel central na revolução socialista. Até quando se refere à greve geral de 10 milhões de trabalhadores na Franca em 1968, Castro menciona somente de passagem que De Gaulle foi a Alemanha para conseguir apoio das tropas que estavam lá “para reprimir qualquer tentativa de rebelião popular”.
A ausência de qualquer referência à classe trabalhadora é reveladora sobre a atitude de Castro para com a revolução cubana e, em geral, as características da revolução socialista. Para Castro, a classe trabalhadora não é protagonista. Como Castro diz, se referindo à revolução cubana, “Mas, para nós, o combate de guerrilha foi o detonador de outro processo cujo objetivo foram os revolucionários tomando controle do poder. E com um ponto culminante: uma greve geral revolucionária e uma insurreição geral da população”.
Em outras palavras, um combate de guerrilha que então foi apoiado massivamente pela população onde a classe trabalhadora teve um papel auxiliar e não central. Como o CIT explicou em outros artigos e documentos, por causa de uma série de fatores históricos e subjetivos, a guerrilha foi vitoriosa em Cuba e somente quando os exércitos da guerrilha entraram nas cidades as massas urbanas saíram às ruas.
Em “Minha Vida”, de Castro, há algumas discrepâncias entre como Castro e o movimento de 26 de julho viram a revolução, assim como da forma que ela começou. Castro dá a impressão que ele tinha um objetivo ‘socialista’ claro e formulado desde o começo. Entretanto, como explicado em outros artigos e documentos do Militant/CIT, naquele tempo, e subsequentemente, nós não acreditamos que este tenha sido o caso. Os líderes do movimento, na realidade, tinham o objetivo de derrubar Batista e estabelecer uma “cuba moderna e democrática”. Che Guevara adotou uma atitude diferente dos líderes do movimento. Como uma consequência do embrago do imperialismo estadunidense e a pressão das massas, os líderes foram rapidamente empurrados a uma direção mais radical, que por fim apagou o capitalismo.
Enquanto os processos da revolução cubana não evitaram o esmagamento do antigo regime de Batista, eles conformaram a natureza do estado que o substituiria. Mesmo com a classe trabalhadora apoiando a revolução, ela não estava conscientemente liderando-a, como a classe trabalhadora fez na revolução russa de 1917.
O regime cubano
Em Cuba, o capitalismo foi derrubado depois de uma serie represálias entre o novo governo cubano e o imperialismo norte-americano. Enquanto isso representava um grande passo a frente, não resultou no estabelecimento de uma verdadeira democracia dos trabalhadores e camponeses como na Rússia em 1917, mas trouxe um regime burocrático (com alguns elementos de controle dos trabalhadores no começo que agora foi largamente corroído), que gerenciou uma economia planificada nacionalizada.
A real característica do estado é, talvez, inadvertidamente revelada por Ignácio Ramonet em sua introdução de “Minha Vida”, quando ele escreve “Enquanto ele [Fidel castro] estiver lá [ele] é apenas uma voz. Ele toma todas as decisões, pequenas e grandes. Apesar de consultar as autoridades políticas no comando do partido e do governo, muito respeitavelmente, de forma muito profissional durante o processo de tomada de decisão, é Fidel que decide no final.”
Castro também revela como aspectos do funcionamento estatal durante períodos críticos. Ele revela que quando enfrentou a decisão de executar o chefe do exército, Arnoldo Ochoa, por alegações de tráfico de drogas, foi “uma decisão unanime do conselho de Estado, o qual possui 31 membros. Ao longo do tempo, o Conselho de Estado tornou-se um juiz e a coisa mais importante é que você tem que lutar para assegurar que toda decisão seja feita consensualmente entre os membros”.
O fato desta decisão ser tomada sem divergência diz muito sobre o caráter dessa instituição e a influência de Castro, dada a natureza extremamente controversa do caso de Arnoldo Ochoa.
Castro também defende a ideia de um sistema de partido único: “Como meu país poderia ter permanecido fortemente em pé, se fosse dividido em dez pedaços?”.
Ele também, então, continua e confunde esta questão atacando a corrupção e a manipulação da mídia no ocidente capitalista como não sendo uma democracia real. No entanto, é uma questão totalmente diferente do direito dos trabalhadores, juventude e intelectuais formarem seus próprios partidos políticos, inclusive partidos trotskistas, e concorrer em eleições num estado de trabalhadores e agricultores.
Um regime democrático dos trabalhadores real asseguraria uma eleição democrática com todos os eleitos sujeitos a revogação, que funcionários estatais e dos partidos não recebessem mais que o salário médio de um trabalhador qualificado, e liberdade total de expressão de pontos de vista e críticas. Em tal regime, especialmente depois de quase 50 anos no poder, não deveria ter nada a temer dos trabalhadores, jovens e intelectuais, estabelecendo seus próprios partidos políticos e organizações que defendem a economia planificada ou concordem em não pegar em armas ou recorrer a violência em oposição a isso.
Isso não significa dizer que a Cuba de Castro assumiu as mesmas características grotescas que a Rússia stalinista, com julgamentos e expurgos em massa, um culto acrítico de personalidade em torno de Stalin etc. Ainda não existem retratos e ruas com o nome de Castro. Não há evidencias de que a tortura está sendo usado pelo estado. Entretanto, isso não significa que burocracia e um elemento de corrupção e privilégios não exista. Isto foi recentemente mostrado quando o governo cubano admitiu que 15% da população possui 90% dos pesos contidos das contas bancárias.
Cuba em isolamento
O problema que Castro enfrentou durante os anos de 1990, seguido do colapso da antiga URSS, foi a questão do isolamento, combinado às limitações impostas pela existência de uma burocracia e a inexistência de uma democracia real dos trabalhadores. Medidas como a abertura da economia e a dolarização parcial do país foram introduzidas pelo regime para tentar ganhar tempo. Elas trouxeram o crescimento de suas próprias contradições, especialmente a dolarização parcial, que aumentou vastamente as diferenças entre os que possuíam acesso ao dólar americano e os que não o possuíam, gerando o fortalecimento dos mercados informais e da corrupção.
A questão do isolamento de Cuba está relacionada à derrota dos movimentos revolucionários que varreram a América Latina nos anos 1970/80. Castro não tira conclusões bem resolvidas quanto às razões dessas derrotas. Os Sandinistas na Nicarágua falharam em derrotar os Contras, ele argumenta, por causa do serviço militar obrigatório. Castro diz: “a Nicarágua obteve sua primeira vitória doze anos depois da morte de Che na Bolívia. Isso significa que as condições objetivas em muitos países e no resto da América Latina eram melhores que aquelas em Cuba.” Mas a questão central é por que então os Sandinistas perderam novamente para a contrarrevolução? Sobre isso, Castro não oferece nenhuma explicação real. Ele não comenta a incapacidade dos Sandinistas derrubarem o capitalismo. Eles se abstiveram de tomar medidas decisivas para derrubar o sistema, especialmente em 1984, sobretudo por conta da pressão da burocracia stalinista em Moscou, que se opunha a isso. Cuba, e Castro, reforçaram a pressão de Moscou e, em certo ponto, embargaram aviões de combate MIG russos em Havana que tinham como destino Manágua, a capital da Nicarágua.
Comentando sobre a derrota de Allende, em 1973, o ex-presidente do Chile, Castro corretamente denuncia o papel do imperialismo norte-americano, mas não tira nenhuma conclusão sobre os erros dos líderes dos Partidos Socialista e Comunista no Chile, que agiram como um freio para a revolução. Entretanto essas derrotas, e outras, foram cruciais na América Latina nesse período, reforçaram o isolamento de Cuba e sua dependência em relação à burocracia soviética naquele período. Além disso, de certa forma, Castro repetiu vários dos erros cometidos pelos líderes desses movimentos nos conselhos que ele deu recentemente para Chávez na Venezuela. Castro conta que no período do frustrado golpe da direita na Venezuela, em 2002, ele suplicou que Chávez não renunciasse. Ele suplicou que Chávez “entrasse em contato com algum militar com autoridade real entre as fileiras dos golpistas, os assegurasse de sua disposição de sair do país, mas que não renunciasse.”
O ex-presidente Allende, Castro argumenta, não teve escolha exceto entregar sua vida durante o golpe de direita no Chile em 1973, afirmando que Allende não tinha o “apoio de um soldado sequer”. Isso não era verdade. Grandes setores do exército e da marinha chilenos apoiavam o processo revolucionário. Estima-se que Allende tinha o apoio de cerca de 30% dos militares no momento do golpe. A tragédia foi que Allende falhou em armar e mobilizar a classe trabalhadora.
Em “Minha Vida”, Castro afirma que aconselhou Chávez, durante a tentativa de golpe de direita em 2002 na Venezuela, que “tentar reunir com as pessoas para engatilhar uma resistência nacional… tinha virtualmente nenhuma possibilidade de sucesso sob aquelas circunstâncias”! Entretanto a “resistência nacional” surgiu espontaneamente pela base e Chávez foi recolocado no poder pelas massas. Esse conselho é mais um exemplo de como Castro não via as massas e a classe trabalhadora como a força que lidera uma revolução, mas como um auxílio para tanto organizações guerrilheiras como para setores do exército.
Mesmo quando colidindo com a burocracia soviética stalinista, que Castro criticava fortemente em determinados momentos, ele nunca apresentou uma alternativa a ela. Isso novamente parte da sua falta de entendimento e da falta de confiança na classe trabalhadora. Como resultado, as críticas de Castro, em última instancia, o levaram à aquiescência aos stalinistas. Castro também permaneceu em silêncio, ocasionalmente, durante grandes conflitos entre o estado e os trabalhadores e juventudes de vários países.
Sobre a “Primavera de Praga” de 1968 na Tchecoslováquia, apesar de inicialmente apoiar algumas das demandas por uma democracia mais ampla e liberdade de expressão, Castro concluiu: “Mas de palavras de ordem justas houve um movimento na direção de políticas abertamente reacionárias. E nós – amargamente, tristemente – tivemos que aprovar aquela intervenção militar.” Entretanto, em 1968, o apoio à restauração capitalista não era dominante na antiga Tchecoslováquia. A consciência das massas, predominantemente naquele período, era pela “democratização do socialismo”, não pelo capitalismo.
Indubitavelmente motivada por interesses diplomáticos e comerciais, o regime Cubano ficou em silêncio, enquanto centenas de estudantes foram massacrados pelo governo mexicano em 1968. Castro nem cita esses eventos em seu livro.
Levantando o espectro da restauração capitalista na Tchecoslováquia naquele período, Castro confunde processos que emergiram durante os anos 1990 e não em 1960, e ecoa as justificativas dadas pelos stalinistas russos em 1968. Castro claramente é contra uma restauração capitalista em Cuba, especialmente tendo visto as consequências dela na antiga URSS e na Europa Oriental. Ele conclui, provavelmente corretamente, que o antigo líder soviético Gorbachev, a quem ele em certo ponto descreve como um “verdadeiro socialista revolucionário”, acabou como uma figura central no processo de restauração capitalista, apesar de aquela não ter sido sua intenção original. Como Castro coloca: “Mas ele [Gorbachev] não conseguiu encontrar soluções para os grandes problemas que seu país apresentava.”
Boris Yeltsin, que também foi central para o processo de restauração capitalista, foi descrito por Castro como um “excepcional Secretário do Partido em Moscou, com muitas boas ideias.”
Castro identifica alguns dos problemas cruciais colocados para a URSS: desperdício, corrupção, má administração e o fracasso em desenvolver e aplicar o uso de computadores modernos. Ainda assim, ele falha em apresentar uma solução clara à elite burocrática e ao desperdício, que jaz na necessidade de remover a burocracia stalinista e estabelecer um genuíno sistema democrático dos trabalhadores. Sem isso, nenhum dos grandes problemas que ele identificou poderiam ser resolvidos.
Entretanto, muitas dessas características existem em Cuba também. Em “Minha Vida”, Castro também revela alguns dos conflitos que aconteceram entre a burocracia stalinista e o regime cubano. Quando perguntado se os cubanos foram consultados sobre a retirada final das tropas soviéticas de Cuba, em setembro de 1991, Castro respondeu: “Consultar. Eles nunca consultam. Naquele ponto eles estavam caindo aos pedaços. Tudo eles tomavam sem consulta.”
Castro também revela, em cartas publicadas em inglês pela primeira vez, a atitude errática que seu regime por vezes adotava. Isso é demonstrado especificamente no capítulo do livro sobre a crise dos mísseis cubanos em 1962. Ao que a crise se intensificava, Castro mostra que insistiu para que a URSS não se deixasse vulnerável a um “primeiro golpe” num ataque nuclear e que deveriam ser os primeiros a lançar um ataque nuclear no caso de uma ofensiva direta a Cuba pelos EUA.
“É minha posição que uma vez que a agressão tenha ocorrido, os agressores não devem receber o privilégio de decidir quando armas nucleares serão utilizadas … do momento em que o imperialismo lance um ataque contra Cuba, e em Cuba, e consequentemente contra as forças da URSS aqui estacionadas… uma resposta seja dada aos agressores contra Cuba e a URSS na forma de um ataque aniquilador.”
Khrushchov e a burocracia soviética não aceitaram essa proposta.
Hoje, Castro contradiz sua posição anterior e comenta quando lhe perguntam se Cuba pretende manufaturar uma bomba nuclear: “Você se arruína – uma arma nuclear é uma boa forma de cometer suicídio a um certo ponto.”
Stalin e Trotsky
Significativamente, Castro é abertamente crítico a Stalin e conclui, “o mais intelectual dos dois era, sem dúvidas, Trotsky.” Entretanto, isso não significa que Castro apoiava as ideias e métodos explicados nos escritos de Trotsky. Castro erroneamente desconsidera qualquer sugestão de que Che Guevara estivesse começando a procurar uma alternativa e que tivesse começado a ler os trabalhos de Trotsky ou que tenha sido afetado de alguma forma por suas ideias. Fazendo isso, Castro deixa de lado as evidências do contrário, como apresentadas por Célia Hart, Jon Lee Anderson e o escritor mexicano, Paco Ignácio Taibo.
Uma característica marcante do “Minha Vida” é a atitude de Castro em relação a líderes mundiais e os líderes pró-capitalistas dos antigos partidos trabalhistas de massas. Para os marxistas, a oposição ao sistema defendido por esses líderes não é uma questão pessoal. Entretanto Castro faz questão de elogiar alguns desses líderes, apesar de pontuar isso com referências críticas ao que eles fizeram. O ex-presidente americano Jimmy Carter é descrito como um “homem de integridade”. Charles De Gaulle é creditado como salvador da França e “suas tradições, seu orgulho nacional, a resistência francesa”. Um ministro do governo fascista de Franco na Espanha é, na opinião de Castro, “um galego inteligente e astuto.” O Presidente Lula, do Brasil, é elogiado como “um lutador tenaz e fraternal pelos direitos trabalhistas e pela esquerda, e um amigo do nosso povo.” E Castro vê “as reformas que Lula está implementando muito positivamente.” Isso apesar do fato de que a grande maioria das “reformas” de Lula foram ataques neoliberais sobre os direitos da classe trabalhadora.
Sobre o futuro de Cuba, Castro é inflexível de que a revolução será mantida, sem nenhuma ameaça de restauração capitalista. Entretanto, apesar do forte legado que se mantem e do apoio aos ganhos da revolução, a ameaça de restauração é crescente. Desde a publicação de “Minha Vida”, Castro renunciou como líder. Raul, seu irmão, e outros setores poderosos da burocracia cubana estão determinados em seguir adiante com a abertura da economia de mercado em Cuba. Se Castro enxerga essa ameaça, ele certamente não estava preparado para jogar o papel de Gorbachev ou Yeltsin em assistir o processo.
A publicação de “Minha Vida” provê um olhar iluminador sobre Fidel Castro – seu papel e seus métodos. Acima de tudo, é necessário aprender a partir das experiências que Castro narra. Elas mostram a necessidade vital de desenvolver uma democracia dos trabalhadores e um socialismo genuíno.