Crise hídrica no Rio de Janeiro: Um reflexo das desigualdades e injustiças socioambientais

O acesso à água potável de qualidade e ao tratamento de esgotos já deveriam ser garantidos a todos os brasileiros. Lamentavelmente não é a realidade, como ficou demonstrada pela crise hídrica que atingiu a região sudeste brasileira, repercutindo nos noticiários nacionais e internacionais.

Não necessariamente resultado de um fenômeno natural (falta de chuvas), como tem sido alardeado pela grande mídia e pelos gestores políticos da hora, mas sim comprovadamente pela ineficácia e quando não, inexistência de políticas públicas de saneamento básico. Também não é por falta de conhecimento científico ou técnico, nem pela falta de soluções tecnológicas.

A crise sistematicamente negada em 2014 pelo governo Cabral/Pezão (PMDB-RJ), e agravada em 2015, não é nenhuma novidade, pois pesquisadores e profissionais atuantes na área de recursos hídricos, já vinham alertando desde 2006 sobre a necessidade de redução de vazão, baseados em dados de 2003, quando vivenciou-se problema semelhante. Por que então nada, absolutamente nada, foi feito? Simplesmente a questão de saneamento básico e em última instância a questão hídrica, não figurava na agenda dos políticos.

Cenário pior que em 2003

O cenário atual é muito pior que o vivido em 2003, hoje chegamos ao volume morto dos reservatórios que abastecem o Estado do Rio de Janeiro e qual a constatação? A única preocupação hoje não é preparar/orientar a população para esta catastrófica situação, a preocupação é única e exclusivamente garantir que no município do Rio de Janeiro cenário principal dos megaeventos (Copa do Mundo 2014 e Jogos Olímpicos de 2016), cidade mercadoria, vitrine do capital especulativo internacional, tenha garantido abastecimento de água, de qualidade questionável, independente do sofrimento imposto a população do Estado.

Várias cidades ao longo do Rio Paraíba do Sul operadas em parte pela CEDAE – Cia Estadual de Águas e Esgotos, outras por sistemas autônomos municipais e outras por sistemas privatizados, já enfrentam o problema da falta d’água, a crise atual afeta a vida de milhões de pessoas que em função da não informação, negligenciada pelos meios de comunicação e negada pelo poder público, sofrem inertes com a escassez.

Baixada e Leste Fluminense

Na região metropolitana do Rio de Janeiro duas grandes áreas podem retratar muito claramente como a injustiça socioambiental se apresenta: Baixada Fluminense e Leste Fluminense. Quanto mais periférica a população, menos assistida será pelas políticas públicas.

Na Baixada Fluminense que entre outros municípios congrega São João de Meriti, Mesquita, Nova Iguaçu, Queimados e Belford Roxo, este último com o pior índice de esgotamento sanitário no estado, a falta de saneamento básico, além das doenças, ocasiona elevado nível de internações hospitalares e no caso mais dramático das crianças, impede que as mesmas frequentem as aulas escolares, tornando mais cruel a negligencia estatal. A ausência de saneamento, contribui para o elevado gasto com tratamento da água na ETA do Rio Guandú (fonte de abastecimento da Região Metropolitana do RJ), que recebe “águas” de afluentes completamente contaminadas pelo lançamento in natura de esgotos domésticos e industriais.

Um detalhe comprova a exclusão, a água consumida no município do Rio de Janeiro, em particular nas áreas mais nobres como zona Sul e Barra da Tijuca, são oriundas do sistema Guandú, que para chegar nestas áreas corta toda região da baixada Fluminense.

Pelo lado do Leste Fluminense, que abrange os municípios de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Ilha de Paquetá, a principal fonte de abastecimento é o sistema Imunana-Laranjal, onde se localiza a ETA Laranjal que trata as águas dos rios Guapiaçu e Macacu. Estes rios diferentemente do rio Guandú, ainda podem ter suas águas classificadas como de boa qualidade. No entanto, em função da degradação ambiental, remoção da cobertura vegetal original e sobretudo das matas ciliares, observa-se um acelerado processo de erosão que aliados ao crescimento desordenado, industrialização e a falta de políticas públicas de saneamento nos municípios integrantes da bacia, começa a prejudicar a qualidade e capacidade de armazenamento dessas águas.

Exclusão das populações periféricas

Nesta região os processos de exclusão ambiental também se fazem sentir nas populações mais carentes e periféricas. Aqui também a CEDAE opera o sistema de captação e produção e distribuição de água potável, no entanto em função da privatização da distribuição no município de Niterói no ano de 1998 no governo Marcelo Alencar-PSDB, Niterói passou a ser operada pela empresa Águas de Niterói, integrante do Grupo Águas do Brasil.

Esta mudança só acentuou os processos de exclusão na medida em que por ser um grupo privado responsável pela distribuição da água, o mesmo passou a ter “privilégios” pois por tratar a água como mercadoria, aonde “pagou, levou”, os outros municípios também atendidos pelo mesmo sistema, ficam prejudicados em seu abastecimento. Obviamente tudo feito de maneira sutil, precarizando e sucateando os serviços da CEDAE nos municípios e regiões por ela atendidos, para se ter a desculpa de que não falta água em Niterói, porque a gestão privada é eficiente, ainda que na perspectiva do lucro.

Décadas de desgovernança

A vulnerabilidade na quantidade, qualidade dos sistemas de abastecimento de água no Rio de Janeiro, são reflexo da falta de vontade política dos sucessivos desgovernos municipais e estaduais ao longo dos últimos 20 anos que não priorizaram obras que pudessem evitar o colapso atual. Para ambos os sistemas, torna-se imprescindível a recuperação florestal nas bacias, a coleta e tratamento de esgotos cessando de vez seu lançamento nos rios e córregos de toda região, assim como a implementação de reservatórios para prevenir que em eventos futuros cheguemos ao quadro catastrófico atual. O risco de racionamento é iminente, já convivemos com uma dificuldade muito grande de abastecimento na baixada Fluminense e em vários pontos de São Gonçalo e Itaboraí, além da Ilha de Paquetá.

A maneira irresponsável com que os governos Federal e Estadual trataram o problema da Crise Hídrica, negando sistematicamente sua existência durante o último ano e meio, só contribuíram para o seu agravamento. Apostaram que o regime de chuvas iria mitigar o problema e como tal não aconteceu agora querem passar o prejuízo para a população. Não é possível continuar a difundir a ideia de que a população é a responsável pela diminuição de consumo como solução do problema. Precisamos responsabilizar os grandes consumidores, que são os setores industrial e do agronegócio, estes sim utilizam mais de 95% de toda água doce em seus processos de produção.

O secretário estadual do Ambiente, André Corrêa, insiste em afirmar que não há risco de racionamento, mas não descarta a possibilidade de medidas para debelar a situação. Ora se não descarta seria mais justo que divulgasse quais seriam as medidas se é que existem e como a população deveria se prevenir.

Governador só quer privatizar

O governador Luiz Fernando Pezão insiste em afirmar que já fizeram muito (reforma da ETA Guandú), e tem muito mais a fazer, mas não diz o quê, a não ser quando fala das PPPs (Parcerias Publico Privadas) uma nova forma de privatizar os serviços e delegar para a iniciativa privada as obrigações do estado, transferindo verbas públicas para empreiteiras, muitas das quais envolvidas no escândalo da Petrobras e que, agora precisam buscar outras fronteiras para atuarem.

A luta pelo saneamento público e estatal tem que ser fortalecida com a participação popular. Isto implica em chamar as populações preteridas, para que possam ser sujeitos de suas histórias em busca da conquista da dignidade e qualidade de vida. Nesta perspectiva, o coletivo Água, sim – Lucro, não, cumpre papel fundamental nas lutas contra as privatizações e em defesa do ecossocialismo como alternativa a este sistema que tudo transforma em mercadoria. Lutar pelo direito a água é lutar pelo direito a vida.

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