Ameaça de guerra cambial abala economia mundial
A economia mundial cresceu apenas 2,8% em 2008 e o PIB mundial caiu, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, em 0,6% em 2009. Nos EUA, a maior economia do planeta, retrocedeu em 3,2%, enquanto a queda foi ainda maior em vários países importantes da Europa, Alemanha, Grã Bretanha e Itália, assim como no Japão.
Só mesmo o maior resgate econômico da história evitou que a crise se torna-se tão grave quanto a grande depressão dos anos 30. O Fundo Monetário Internacional (FMI) deu o nome de “a grande recessão” à essa crise.
O capitalismo se recuperou de uma experiência de quase-morte. Nos EUA a recessão mais prolongada desde 1929 só terminou em junho desse ano. Porém, o que está bem claro, é que mesmo os estímulos estatais recordes não foram suficientes para tornarem essa recuperação duradoura e agora os governos estão implementado enormes programas de austeridade que aprofundará a crise.
Na reunião de cúpula em Washington, com ministros das finanças e chefes de bancos centrais de 187 países, o FMI apresentou novos prognósticos para a economia mundial, onde colocaram que “o risco de queda continua a crescer”. A recuperação das economias mais desenvolvidas é “fraca considerando que elas se recuperam da recessão mais profunda desde a Segunda Guerra Mundial”. A produção mundial ainda está em um patamar inferior ao de 2008.
O crescimento em 2010 tem se baseado nas medidas de estímulo e reabastecimento dos estoques. O excesso de capacidade de produção continua grande, os investimentos num nível baixo e o desemprego muito alto. O FMI estima que o desemprego mundial seja 210 milhões, 30 milhões a mais do que há três anos atrás.
O prognóstico do FMI é que o crescimento em 2011 cairá em comparação com esse ano. Para os países desenvolvidos (EUA, Europa Ocidental, Japão, entre outros), a queda é de 2,7% para 2,2%. Para os países em desenvolvimento, com a China à frente, de 7,1% para 6,4%. Mesmo se esses últimos têm uma taxa de crescimento mais alto, o FMI alerta para grande dependência das exportações desses.
Nos EUA o crescimento caiu no segundo trimestre para 1,6% e, provavelmente, não superará 1% no segundo semestre. Os subsídios estatais, como os subsídio para a troca de automóveis, apoio a investimentos, como em medidas ambientais, sumirão. O setor imobiliário dos EUA já está sofrendo de um “duplo mergulho” (quando há uma nova queda, na forma de um W), é a constatação do economista Nouriel Roubini. A venda de imóveis está próximo ao nível mais baixo da história moderna.
Vários economistas alertam que os EUA pode estar diante de um período prolongado de crescimento baixo e consideram provável uma nova queda. “A recuperação permanece vulnerável para choques e os riscos negativos predominam”, conclui o FMI no seu relatório.
A análise do FMI alerta para uma série de sinais de fraqueza nos países ricos:
• A renda das famílias caiu e com isso também o consumo. Milhões ficaram desempregados ou perderam suas casas. Na década passada o consumo tem se mantido com ajuda de créditos, mas agora as dívidas têm que ser pagas.
• Os bancos e todo o mercado financeiro ainda estão abalados. O mercado imobiliário, que garantiu uma grande parte do crescimento nos EUA, na Grã Bretanha, Irlanda, Espanha e outros países, caiu mais do que em crises anteriores.
• Os déficits públicos continuam a crescer muito rápido. Na semana passada a Irlanda bateu um novo recorde com um déficit que corresponde a 32% do PIB – 10 vezes maior do que as regras da União Européia permitem. A dívida pública irlandesa quadruplicou nos últimos cinco anos.
A maior parte dos “pacotes de resgate” desde 2008 foi destinada a salvarem os bancos – os mais “dependentes de assistencialismo” no mundo atual. Os lucros e abonos aos diretores executivos de Wall Street e outros centros financeiros pelo mundo afora foram garantidos com déficits públicos.
O BCE (Banco Central Europeu) se manteve em plantão 24 horas para os bancos, ao mesmo tempo emque o BCE comprava títulos de governos por 63,5 bilhões de euros. Na Irlanda o governo prometeu garantir o dinheiro de todos “poupadores”, incluindo especuladores estrangeiros.
O FMI calcula que existe empréstimos de 4 trilhões de dólares que devem ser renovados nos próximos dois anos e aponta que os bancos europeus estão particularmente vulneráveis. Os bancos precisam cobrir 2,2 trilhões de dólares de créditos “podres” irrecuperáveis. Isso é 100 bilhões a menos do que a estimativa anterior, mas ainda é uma quantia gigantesca do qual um quarto ainda não se tornou público.
Os governos da Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda têm sido pressionados pelos capitalistas internacionais – que investiram nesses países em busca de grandes lucros – a fazerem grandes pacotes de cortes nos gastos públicos. Cortaram em salários, aposentadorias, auxílio às famílias e gastos públicos. Mas quem tem muito quer mais. Na semana passada os juros dos títulos irlandeses estavam 4% acima dos da Alemanha. Para capitalistas mais agressivos, a crise é uma oportunidade áurea para atacar as condições de vida da classe trabalhadora.
O FMI conclui que os países ricos precisam “fortalecer a economia das famílias, estabilizar e posteriormente diminuir os grandes déficits públicos, concertar e reformar seus setores financeiros”, ao mesmo tempo o FMI está preocupado com o fraco crescimento. Diminuir as dívidas e ao mesmo tempo estimular o crescimento é uma tarefa impossível, é como dirigir pra frente com a marcha ré.
Na prática, a linha do FMI significa estímulo para bancos e grandes empresas, cortes e “reformas” neoliberais para o resto. O FMI descreve isso abertamente: “reformas contra o crescimento rápido dos gastos públicos, especialmente assistência social, e reformas tributárias que favoreçam a produção acima do consumo”. O FMI quer uma “política para o mercado de trabalho que aumente o crescimento e crie empregos”. O significado disso estamos vendo na Espanha – aposentadorias mais baixas e maior facilidade para as empresas demitirem empregados. Mas o FMI também é forçado a reconhecer que os cortes públicos têm um efeito negativo na economia. Cortes de gastos públicos de 1% diminui o PIB em 0,5%.
• Mais que a metade dos negócios com ações nos EUA são feitos por computadores, sem intervenção humana. Fórmulas calculam diferenças de valores em microssegundos. Mesmo a mais potente banda larga se torna lenta demais, então os corretores de ações estão pagando extra para que seus computadores tenham uma conexão direta com as principais bolsas de valores.
• 58% de todo o aumento de renda nos EUA de 1976 a 2007 foi para 1% da população. O consumo da grande maioria foi sustentado por empréstimos.
• Em 1988, o valor dos ativos dos bancos da Grã Bretanha era o dobro do PIB. Em 2006, era cinco vezes maior.
• Com a crise, os governos da União Européia estão investigando como o estado pode dar mais subsídio aos especuladores e às exportações.
• A especulação foi um fator importante por trás do grande aumento no preço dos alimentos no mundo em 2008 e agora mais uma vez com os desastres naturais na Rússia e no Paquistão.
Em países como Grécia ou Irlanda, os programas de corte nos gastos públicos significa uma queda geral no PIB. O mesmo que já ocorreu nos países bálticos. E quanto mais países fazem cortes, mas negativo fica o efeito na economia global.
O que os governos vão fazer quando os juros já estão no zero e os estímulos estatais já se esgotaram, mas a demanda e o crescimento continuam baixos? Agora até o FMI tem a expectativa que o banco central dos EUA, o Fed (Federal Reserve), inicie uma segunda rodada do que eles chamam de “afrouxamento quantitativo”. Isso significa que o Fed concede a si mesmo novos bilhões para comprar títulos públicos (e aumentar a quantidade de dinheiro na economia).
Isso é bruxaria avançada. “Ninguém sabe se ou como funciona o afrouxamento quantitativo ou outros métodos monetários não ortodoxos”, constatou o Financial Times no dia 06 de outubro.
O mais provável é uma queda nos juros e do dólar, o que favorece as exportações estadunidenses. Se terá um efeito na demanda doméstica está menos claro, por que as medidas de crise podem tornar as empresas e as famílias mais cautelosas.
A maioria dos economistas vinculam a esperança de uma melhora da economia mundial a uma maior equilíbrio entre os países. Isso significa que os países com grande acúmulo de poupança, como China, Alemanha e Japão, devem consumir mais. O grande superávit chinês no comércio com o resto do mundo é visto como um vilão nesse contexto.
Mas o desequilíbrio da economia mundial tem dois motores – os investimentos, a produção e as exportações chinesas e os déficits dos EUA sustentados por créditos. O fato de que grandes empresas dos EUA e da Europa mudaram sua produção para China e que os produtos importados no Ocidente ficaram mais baratos são elementos importantes dessa simbiose.
Porém, mesmo o FMI tem que reconhecer que “no médio prazo é improvável que a demanda doméstica [na China e outros países em desenvolvimento] será suficiente para substituir a queda na demanda nos países desenvolvidos”. Mudar o equilíbrio na economia mundial significa frear o crescimento na China, Índia e outros países que foram os principais motores durante esse ano.
Os economistas capitalistas estão de acordo que essa crise é inédita, que a recuperação é frágil e que a classe trabalhadora tem que pagar a conta. Para os socialistas a tarefa é de explicar que não há uma saída capitalista e que o sistema tem que ser abolido por um movimento consciente e organizado dos trabalhadores. As crises e exploração capitalista têm que ser substituídas pelo socialismo democrático.
Fracasso na reunião do FMI
“Há um risco que os governos comecem uma guerra cambial se usarem a taxa de câmbio para resolver problemas domésticos”, alertou o chefe do FMI, Dominique Strauss-Kahn antes da reunião de cúpula do FMI no final de semana de 09-10 de outubro. Após a reunião, ele estava desapontado por que não conseguiram chegar a um consenso, além de uma declaração sem substância.
O ministro da fazenda brasileiro foi o primeiro a constatar que uma “guerra cambial” tinha se iniciado. Japão, Coréia do Sul, Taiwan, Suíça, Colômbia e também Brasil estão entre os países que intervieram para rebaixar o valor de suas moedas.
O fraco crescimento nos países ricos levou a um grande fluxo de capital aos “países em crescimento” como a Índia e o Brasil, o que aumentou o valor de suas moedas.
Na UE os políticos estão preocupados com o aumento de valor do euro diante do dólar e o renminbin (moeda chinesa). No Japão o banco central comprou dólares tentando frear o aumento do iene (com o iene no nível mais alto diante do dólar desde 1995), e prometeu iniciar um “afrouxamento quantitativo”, quer dizer comprar títulos do governo, mas também ações, para tentar impulsionar a economia (mas também baixar o valor da moeda, como nos EUA).
Nos EUA a expectativa é que a próxima fase de “afrouxamento quantitativo” seja muito maior do que no Japão, com o Federal Reserve gastando 100 bilhões de dólares por mês.
O Instituto de Finanças Internacionais, um órgão de colaboração de 420 grandes bancos, alertou que o conflito entre as moedas pode levar a uma guerra comercial. Protecionismo (com barreiras comerciais), foi um fator decisivo por trás da grande depressão nos anos 30. Cada classe capitalista nacional tentava salvar a si mesmo, a custo dos outros.
O grande conflito cambial ocorre entre governantes na China e nos EUA. Uma ala dos capitalistas dos EUA e muitos políticos querem culpar a China pelo desemprego e fechamento de fábricas. A ditadura chinesa e seus capitalistas por outro lado, entendem que o contínuo aumento das exportações é decisivo para manter-se o poder, e por isso querem manter o valor da moeda baixo.
O interesse econômico mútuo, em quanto à economia mundial ainda crescia, fez com que a China aceitasse que a moeda, o renminbi, aumentasse em 20% seu valor durante 2005-2008 com relação ao dólar. Com a crise, Pequim congelou o valor do renminbi novamente. Depois de ameaças de medidas pelos EUA o renminbi aumentou novamente em valor, com 2,3 desde junho desse ano. Mas os EUA exigem um aumento de 20-40%.
A Câmera dos Representantes do congresso estadunidense votou recentemente uma proposta de lei contra os “subsídios injustos” das moedas, com um alerta de taxas punitivas contra produtos chineses. Porém, a proposta ainda tem que passar pelo senado e pelo presidente Obama.
“Chegou à hora de uma guerra cambial contra China? A resposta se torna cada vez mais sim”, escreveu o influente comentarista de economia do Financial Times, Martin Wolf. Ele diz que o renminbi baixo é uma forma de protecionismo.
A Casa Branca aparentemente tinha a esperança de que o FMI iria assumir o papel de forçar um aumento do valor do renminbi. Depois da reunião do FMI Obama agora está apostando na reunião do G20 que ocorrerá em novembro na Coréia do Sul.
O modelo muita vezes mencionado é o Acordo de Plaza em 1985, quando o então governo do Japão aceitou que o iene aumentasse em valor contra o dólar. Mas em Pequim esse é um sinal de alerta, já que foi a abertura do período de estagnação do Japão, que já dura mais de 20 anos.
O encarecimento das exportações da China iria frear o comércio mundial. Uma queda das exportações da Ásia, já que várias moedas seguiriam o renminbi, iria frear toda a economia mundial.
O crescimento chinês é baseado em enormes investimentos. Os investimentos aumentaram sua participação no PIB de 32% para 40% em 1997-2009, em quanto à participação das famílias caiu de 45% para 36%. “Aumentar o consumo” pode significar uma queda nos investimentos, o motor atual da economia chinesa. Esses investimentos por sua vez são baseados numa bolha gigantesca, já que grande parte é financiada em cima de valores de terrenos extremamente exagerados.
Um aumento no valor da moeda chinesa também não iria resolver os problemas nos EUA. Um renminbi mais caro iria aumentar os preços nos EUA. Uma queda acentuada do dólar iria levar a dificuldades em obter empréstimos para cobrir os déficits públicos do país. Além disso, os EUA tem um déficit comercial com vários outros países, não só com a China.
A “guerra cambial” ainda é algo incipiente, mas pode, no pior dos casos, levar a uma guerra comercial aberta. Os conflitos entre o imperialismo, principalmente entre EUA e China, também é uma disputa sobre o controle dos recursos naturais do mundo e questões de poder militar estratégico.
Como no caso da crise em geral, não há uma saída capitalista para o povo trabalhador. Os governos e capitalistas vão lutar entre si, mas o tempo todo tentando descarregar o custo sobre as costas dos trabalhadores e pobres.