Produção científica de mulheres na pandemia
No início de 2020, Jaqueline Goes de Jesus, mulher preta, cientista, doutora em patologia humana, se destacou mundialmente por sequenciar o genoma do vírus SarsCov-2 em apenas 48 horas, após a confirmação do primeiro caso de COVID-19 no Brasil. Apesar do entusiasmo em ver uma companheira de academia, preta e de origem nordestina, com seu trabalho reconhecido em nível global, sabe-se que o trabalho das mulheres na academia é atravessado por desigualdades de gênero e raça, que se agravaram desde o início da pandemia.
A sobrecarga de trabalho doméstico englobando o apoio aos filhos em ensino remoto, o cuidado com idosos e familiares enfermos, afazeres relacionados à manutenção da casa, somados ao home office e isolamento social comprometeu ainda mais a evolução na carreira acadêmica da mulher, que já era mais lenta.
Estudos realizados por Salari e colegas (2020) mostraram um agravamento no quadro de depressão e ansiedade de forma expressiva em mulheres. Gewin (2021) verificou que 75% das pesquisadoras apresentaram quadros de estresse e burnout em comparação a 59% dos homens. Um estudo realizado pela Parent in Science mostrou que apenas 2,2% das acadêmicas com filhos conseguiram trabalhar remotamente. No caso das mulheres negras, a maternidade não teve grande impacto sobre a produção científica, pois a questão racial por si só já lhes impõe maiores adversidades que as encontradas por mulheres brancas.
Um levantamento feito pela Elsevier em 2020 mostrou que em todos os países a porcentagem de mulheres que publicam em periódicos internacionais é menor que os homens e que esses trabalhos são citados com menos frequência. Os impactos, portanto, são imediatos e de longo prazo, pois a distribuição de recursos financeiros para pesquisas é pautada pelo produtivismo, ou seja, as mulheres publicaram menos em função das barreiras impostas pela pandemia e, consequentemente, serão mais mal avaliadas nas seleções/disputas pelos escassos recursos.
Além da desigualdade de gênero, no Brasil enfrentamos obstáculos de fazer pesquisa sob o governo negacionista de Bolsonaro, que intencionalmente barra o desenvolvimento científico e fomenta o avanço da desinformação.
Desde 2014, o setor já passava por sucateamento e corte de investimentos, e se agravou sob a gestão de Bolsonaro. Só em janeiro o governo vetou R$ 11 milhões destinados à Fio Cruz, R$ 8,6 milhões do CNPq e R$ 61 milhões de apoio a projetos de tecnologias aplicadas, tecnologias sociais e extensão tecnológica.
A mão de obra barata da pesquisa
Em um país em que as principais produções científicas são realizadas por estudantes de pós-graduação, que vivem com bolsas de estudos de R$ 1500 (mestrado) e R$ 2200 (doutorado), sem quaisquer direitos trabalhistas, mas com exclusividade de contrato, esses cortes são ainda mais brutais. Por isso, a ciência no Brasil tende a ser elitizada e, ainda assim, há um esforço sistemático para seu desmonte.
O não acesso à pesquisa e a educação é um projeto que atinge em cheio as esferas da pós-graduação. Para o sistema capitalista, uma população menos intelectualizada é combustível fundamental para seu funcionamento que tem como base a exploração e alienação do valor do trabalho. Por que em pleno 2022 as pessoas questionam a segurança e até a eficácia das vacinas? Porque muitas não tiveram a oportunidade de aprender como a ciência funciona. As desigualdades sociais, de gênero e de raça garantem maior dificuldade para a quebra desse ciclo. Ser mulher e fazer ciência no Brasil é também ser resistência.