Sanders e Kshama: crescem as alternativas de esquerda nos EUA

Kshama Sawant, militante socialista eleita vereadora na cidade de Seattle em 2013, irá enfrentar as urnas em novembro para sua reeleição. Desde o início de seu mandato, Kshama vem conquistando diversas vitórias para a população pobre e os trabalhadores que repercutem por todo o país. Agora, é o pré-candidato Bernie Sanders quem está levando propostas de esquerda para o debate presidencial.

Com dezenas de milhares de pessoas participando de seus comícios e convocando uma “revolução política” contra o poder das grandes empresas, Bernie Sanders vem correspondendo à vontade de uma verdadeira mudança para milhões de norte-americanos. Sanders, apesar de aliado ao Partido Democrata (o mesmo de Barack Obama), se declara um político independente. Foi eleito prefeito de Burlington em 1981, deputado federal pelo estado de Vermont entre 1991 e 2007 e, desde então, senador pelo mesmo estado. Em 2012, foi reeleito ao Senado por uma ampla maioria: 71% dos votos.

Sanders se destaca entre os políticos dos EUA por se identificar abertamente como um “socialista democrático”. Durante sua juventude, nos anos 1960 e 1970, foi militante do Partido Socialista Americano, atuou no movimento pelos direitos civis da população negra e também nos protestos contra a guerra no Vietnã. Algumas das propostas que ele defende atualmente incluem redistribuição de renda, aumento do salário mínimo, saúde pública gratuita, defesa dos direitos LGBT e o combate ao poder das grandes corporações.

Em abril de 2015, Sanders anunciou sua decisão de concorrer como pré-candidato do Partido Democrata às eleições presidenciais de 2016.

Democratas vs. Republicanos

Desde meados do século XIX, os dois principais partidos dos EUA, os Democratas e os Republicanos, se revezam no poder. Esses dois partidos representam os interesses da classe dominante: os bancos, as multinacionais e a grande mídia. Com esse poder econômico e político, Democratas e Republicanos conseguem até mesmo manipular as leis eleitorais, dificultando a vida para candidatos independentes e de outros partidos.

Dessa forma, as primárias acabam se tornando um importante evento da campanha presidencial. As primárias são eleições internas de cada partido, onde os filiados votam no pré-candidato de sua preferência. Em seguida, o pré-candidato mais votado de cada partido é escolhido como candidato a presidente. As primárias acontecem entre fevereiro e junho, logo antes da eleição presidencial em novembro.

Bernie Sanders é um dos seis pré-candidatos do Partido Democrata. Sua principal adversária na disputa é Hillary Clinton, secretária de estado do governo Obama entre 2009 e 2013. Hillary também é esposa de Bill Clinton, presidente de 1993 a 2001.

A disputa está bem acirrada. A campanha de Hillary conta com as doações milionárias de grandes empresários e banqueiros e, graças a um maior tempo de exposição na mídia, lidera as pesquisas em vários estados. Bernie Sanders, entretanto, vem ganhando grande apoio dos jovens e da classe trabalhadora. Sua campanha conta com o apoio de milhões de pequenos doadores, arrecadando mais de 1,5 milhão de dólares nas primeiras 24 horas. Até o fim de setembro, menos de cinco meses depois do início da campanha, cerca de 650 mil pessoas já haviam feito doações – um número maior do que a campanha de Barack Obama em 2008 havia conseguido no mesmo período.

Segundo diversos institutos de pesquisa, Hillary Clinton lidera a preferência de votos em 24 dos 50 estados dos EUA. Sanders, por enquanto, tem a maioria apenas em seu próprio estado, Vermont, mas já está encostando em Hillary em outros seis estados. Essas previsões podem mudar drasticamente nas próximas semanas, por conta da repercussão do primeiro debate entre os pré-candidatos na TV, que aconteceu no dia 13 de outubro.

Nesse primeiro debate, Bernie Sanders falou para o público sobre várias de suas bandeiras. Defendeu os direitos dos trabalhadores e dos imigrantes, os movimentos contra racismo e violência policial, o aumento do salário mínimo e das aposentadorias e também questões ambientais, como a geração de energia não-poluente. No final, declarou que “a única forma de transformar a realidade do país e aplicar as mudanças que os trabalhadores precisam é através de uma revolução política feita por milhões de pessoas”. De acordo com diversas pesquisas realizadas por portais na internet, Bernie Sanders foi o grande vencedor do debate.

Socialista demais ou de menos?

Bernie Sanders se declara como um socialista democrático. Defende propostas que são claramente de esquerda, como os direitos das minorias, educação e saúde públicas e gratuitas, direitos trabalhistas, distribuição de renda e fim da influência das grandes corporações na política. Para muitos eleitores, especialmente os mais conservadores do Partido Republicano, isso é suficiente para chamá-lo de comunista.

O programa político de Sanders, entretanto, falha em não apresentar bandeiras socialistas revolucionárias. Suas propostas não incluem a defesa concreta de medidas como o controle dos meios de produção pelos trabalhadores, o fim das intervenções militares dos EUA em outros países, ou qualquer proposta de saída do sistema capitalista.

Mesmo com essas questões, o fenômeno Bernie Sanders é mais um elemento que demonstra o ressurgimento da esquerda nos Estados Unidos. Desde 2008, com o início da crise econômica global, os EUA têm vivido uma explosão de lutas populares, além de greves de trabalhadores da educação, da indústria e do comércio.

O crescimento de Sanders nas pesquisas e seu grande apelo aos jovens e aos trabalhadores confirmam um dos pontos defendidos pelo Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT), a organização internacional da qual a LSR faz parte: quando há uma alternativa de esquerda, que defende os direitos dos trabalhadores e dos mais pobres e que se mostra viável, uma parcela importante da sociedade irá defender essa opção.

E foi assim, defendendo bandeiras claramente socialistas, que nossa companheira Kshama Sawant se elegeu vereadora na cidade de Seattle.

Kshama Sawant: socialismo na prática

Kshama Sawant é imigrante indiana e economista. Em 2013, ela foi eleita vereadora em Seattle pela Alternativa Socialista, o partido-irmão da LSR nos EUA. Kshama foi a primeira candidata abertamente socialista a ser eleita para a câmara de vereadores da cidade desde 1877, com 94 mil votos.

A campanha de Kshama foi construída com o trabalho voluntário de centenas de ativistas, sem receber dinheiro de empresários. Os principais temas levantados durante a campanha foram o aumento do salário mínimo na cidade para 15 dólares por hora, impostos maiores para os milionários e menores para os mais pobres, além de controle dos preços dos aluguéis.

Ela também defende os direitos sindicais dos trabalhadores das grandes empresas da região, como Microsoft, Amazon e Starbucks, além de ter acusado a direção da Boeing de “terrorismo econômico”: quando a fabricante de aviões fez chantagem e ameaçou sair da cidade caso não conseguisse uma diminuição de impostos, Kshama declarou que os próprios trabalhadores deveriam ocupar as fábricas e assumir o controle da produção.

Depois de eleita, Kshama imediatamente abriu mão de 65% de seu salário. Esse dinheiro vai para um fundo de solidariedade, para auxiliar nas lutas de diversos movimentos sociais.

Kshama continua envolvida nas lutas. Em 2014, apoiou a greve dos trabalhadores do fast-food na cidade por melhores salários e foi detida ao participar de uma manifestação dos funcionários do aeroporto de Seattle. Em 2015, participou da greve dos professores da rede pública de Seattle, em defesa de reajuste salarial e melhores condições de trabalho.

Ao mesmo tempo, a Alternativa Socialista organizou o movimento 15 Now, em defesa do salário mínimo de 15 dólares por hora. Com o apoio de Kshama Sawant e de diversos sindicatos e movimentos sociais, o 15 Now se espalhou por todo o país e, graças à luta de milhares de ativistas, o aumento do salário mínimo se tornou uma realidade: primeiro em Seattle e depois em várias outras cidades, como Nova York, São Francisco, Los Angeles e Washington.

 

Em novembro, o povo de Seattle irá às urnas novamente para eleger novos vereadores. Nossos companheiros da Alternativa Socialista e de várias outras organizações já estão na luta, participando da campanha para que Kshama Sawant seja reeleita e possa continuar seu trabalho.

Desafios e oportunidades para a esquerda

A vitória de Kshama Sawant em Seattle e a popularidade de Bernie Sanders na campanha presidencial deixam claro que existe um crescimento das ideias de esquerda nos EUA. O surgimento de novos movimentos desde 2008, como o Occupy Wall Street, o Black Lives Matter e o 15 Now mostra que, cada vez mais, há uma compreensão da necessidade de lutar pelos direitos dos mais pobres, dos trabalhadores e das minorias.

Entretanto, Bernie Sanders está concorrendo como pré-candidato dos Democratas – um partido que, na prática, é controlado pelos milionários e pelas grandes empresas. O Partido Democrata não é o veículo para o tipo de mudança que Sanders defende. Infelizmente, o próprio Sanders declarou que apoiará a candidatura de Hillary Clinton caso ela vença a disputa dentro do partido. Se isso se confirmar, será um balde de água fria para uma boa parte das pessoas que estão se mobilizando por essa candidatura.

Nós do CIT vemos a candidatura de Bernie Sanders como uma grande oportunidade para a esquerda, mas defendemos que ele se lance na disputa como um candidato independente, não pelo Partido Democrata. Uma campanha independente abriria a possibilidade real de construção de uma terceira força política nos EUA, socialista e comprometida com as lutas populares.

No Brasil, a LSR ajuda a construir o PSOL como um instrumento de luta da classe trabalhadora. Da mesma forma, a Alternativa Socialista também trabalha para construir, junto com várias outras organizações de esquerda e movimentos sociais, um novo partido de massas para os trabalhadores nos EUA. Nós precisamos de nossas próprias organizações e partidos, que se recusem a receber dinheiro de empresários e banqueiros e que defendam abertamente um programa socialista. Só assim podemos avançar nas nossas lutas e garantir nossos direitos!

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