A América Latina no cenário da crise internacional

O Comitê Executivo Internacional (CEI) dos Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT) se reuniu na Bélgica dos dias 17 a 22 de janeiro de 2012. Esse documento sobre América Latina foi discutido e votado por unanimidade. 

Há pouco mais de dez anos a Argentina vivia uma situação social e econômica muito parecida com a que hoje afeta de forma dramática a Grécia. O altíssimo preço social para satisfazer os credores da dívida pública do país não evitou o default e o colapso econômico e ainda acabou por gestar uma situação com características revolucionárias com derrubada de governos, intensas lutas populares e conquistas parciais para os trabalhadores. Situações semelhantes à da Argentina na virada do século e início do século XXI abriram uma nova etapa na história da América Latina.

Passados dez anos do ‘Argentinazo’, a economia da região de forma geral é apresentada como totalmente descolada do grave cenário de crise internacional. A “latino-americanização” da Europa, no sentido da crise e das lutas sociais, teria como contrapartida uma suposta “europeização” da América Latina ou de alguns de seus países, apontados como candidatos ao “primeiro mundo”. A divulgação de que o PIB brasileiro teria ultrapassado o do Reino Unido, transformando o Brasil na sexta maior economia do mundo, ajuda a alimentar essa ilusão e disfarça as péssimas condições de vida da maioria da população.

Essa visão ufanista subestima a gigantesca dimensão da crise internacional e, sobretudo, as enormes contradições ainda existentes na América Latina de conjunto. Num marco de profundas transformações nas relações internacionais, os efeitos da crise já chegaram à América Latina e o potencial para se agravarem é um elemento fundamental da compreensão da realidade da região do ponto de vista dos socialistas.

É importante ressaltar que, mesmo num cenário econômico mais tranquilo, a América Latina foi palco de lutas gigantes e muito radicalizadas como a protagonizada pelos estudantes chilenos. O desenvolvimento da crise capitalista afetando de forma mais contundente a região pode acelerar e radicalizar ainda mais esses processos e recolocar a América latina no patamar de lutas em que estava na virada do século.

Porém, é um fato que o crescimento econômico registrado principalmente a partir de 2004 e baseado num contexto internacional mais favorável às exportações latino-americanas (expansão do mercado asiático, alta nos preços das commodities, disponibilidade de investimentos estrangeiros na região e de crédito para o consumo interno), gerou mais estabilidade política e ilusões no modelo econômico por parte de setores amplos de massas.

Esse processo de crescimento contínuo e relativa estabilidade se vê agora gravemente ameaçado pela crise internacional e pode estar chegando ao seu fim. Preparar nossas forças para uma situação mais instável e conflitiva é uma tarefa central dos militantes do CIT e de todos os socialistas no próximo período.

O cenário econômico

A crise internacional levou a uma queda no PIB da região em 2009 (-2%), mas o ano de 2010 foi marcado por uma recuperação mais forte do que a média mundial (5,9%). O ano de 2011 manteve a dinâmica de crescimento, porém num ritmo menor, principalmente na segunda metade do ano. A CEPAL (ECLAC) aponta um crescimento de 4,3% para a América Latina e Caribe em 2011 e levanta a perspectiva de apenas 3,7% em 2012 na melhor das hipóteses, ou seja, num contexto em que se evite um colapso financeiro internacional.

O desaquecimento na América Latina e Caribe já em 2011 foi capitaneado pela situação brasileira, a maior economia da região. O Brasil deverá crescer menos de 3% (2,9%) em 2011 depois de um forte crescimento em 2010 (7,5%, uma revisão dos índices pode levar a 7,8%), que, por sua vez, seguiu-se a uma estagnação (-0,3%) gerada pela crise de 2008/2009. O governo brasileiro de Dilma Rousseff do PT, sucessora de Lula, optou por implementar medidas duras de ajuste fiscal depois das medidas expansionistas adotadas pelo seu antecessor diante da crise internacional.

O Brasil simplesmente parou de crescer na segunda metade de 2011, como consequência das politicas de ajuste do governo Dilma, do agravamento da crise na Europa, mas também pela redução do consumo interno. A atividade industrial foi o setor mais atingido, pois ainda sofre com o câmbio valorizado e um processo estrutural de desindustrialização consequente de um modelo econômico baseado na exportação de commodities. Reforçando o modelo agrário-exportador, o setor que mais cresce na economia brasileira continua sendo o agronegócio.

O enfraquecimento da indústria brasileira se refletiu em sua balança comercial que saiu de um superávit de 18 bilhões de dólares em 2006 para um déficit de 80 bilhões de dólares em 2011. Foram quase 100 bilhões de dólares de diferença em apenas cinco anos. Como parte do ajuste fiscal, os investimentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a indústria caíram pela metade em 2011 em comparação com o ano anterior.

O déficit em conta corrente do Brasil subiu para quase 55 bilhões de dólares em 2011 e as projeções do Banco Central para 2012 são de 65 bilhões de dólares, ou 3,5% do PIB, um patamar próximo de alguns países europeus em crise. O financiamento desse déficit coloca o país na dependência total dos recursos externos e vulnerável a qualquer turbulência financeira maior.

Com a intensificação das relações entre o Brasil e os demais países latino-americanos, em particular da América do Sul, o impacto de uma desaceleração brasileira poderá ser sentido em toda a região. A Argentina manteve em 2011 uma dinâmica de crescimento da ordem de 9%, mas pode ser duramente afetada por uma desaceleração brasileira em conjunto com um agravamento da situação europeia e asiática.

A relativa estabilidade econômica do conjunto da região está diretamente ameaçada pelo desenrolar da crise internacional. O agravamento da crise na zona do euro e o desaquecimento nas economias estadunidense e, num outro nível, asiáticas, pode afetar a América Latina pela limitação das exportações, queda nos preços dos produtos exportados, redução do investimento estrangeiro, das remessas e do turismo. Mas, uma deterioração da situação financeira também pode levar a uma maior volatilidade, fugas de capital e dificuldades de acesso ao crédito.

A capacidade de resposta dos governos latino-americanos à crise também deverá ser menor do que foi em 2008/2009. A reação dos governos latino-americanos diante da crise não refletiu uma suposta oposição entre neoliberais e desenvolvimentistas, como muitas vezes se tenta fazer crer. Diante da grande recessão de 2009, medidas contracíclicas de intervenção estatal, com pacotes de ajuda às empresas e aumento dos gastos públicos, foram adotadas tanto por governos abertamente neoliberais, como os do México, Colômbia e Chile, como por supostos antineoliberais. Da mesma forma, no momento seguinte, as políticas de ajuste, cortes e mesmo privatizações foram adotadas tanto pelo PT no Brasil como por neoliberais assumidos.

Diante do estancamento do crescimento e a deterioração da situação europeia, o governo brasileiro parou de elevar as taxas de juros e adotou tímidas medidas de estímulo ao crédito e produção no país. Mas, as condições para uma recuperação não são tão fáceis.

O desaquecimento econômico da China é um dos fatores mais importantes que podem atingir a América Latina. A China é hoje o principal parceiro econômico da América Latina e buscará em 2012 ampliar ainda mais suas exportações para a região como alternativa diante das enormes dificuldades em relação ao mercado europeu. Em países como México e Argentina, produtos exportados do Brasil, por exemplo, poderão ser substituídos por outros originários da China.

Mesmo que, por outro lado, o mercado chinês continue representando um estímulo às exportações de commodities latino-americanas por mais tempo, o modelo latino-americano baseado na exportação desses produtos primários tende a levar a um processo de retrocesso industrial e cada vez mais dependência e subordinação (semicolonial) à dinâmica econômica chinesa.

A não recuperação da economia estadunidense também é um fator que afeta profundamente, em particular, as economias da América Central e do México, países que estão entre os mais duramente afetados no pico da crise de 2008/2009 com quedas expressivas nos PIBs nacionais.

Crescimento econômico não impediu lutas de massas

A relativa estabilidade econômica do último período não impediu que a região observasse intensas lutas sociais. Paradoxalmente, na vanguarda desse processo de lutas massivas temos países que se caracterizaram por forte crescimento econômico. O destaque sem dúvida é o Chile. O país cresceu mais de 6% em 2011 e ainda assim foi palco de uma das mais intensas lutas protagonizadas pela juventude e com participação dos trabalhadores e que levou a um enorme desgaste do governo direitista de Piñera.

Da mesma forma, o Peru, que graças às exportações de minérios e commodities em geral, teve crescimento econômico substancial (8,8% e 2010 e 7% em 2011), presenciou grandes lutas contra o governo do ex-presidente Alan Garcia, a eleição do nacionalista Ollanta Humala como resposta eleitoral e agora uma intensificação de lutas contra as políticas do novo presidente, principalmente em relação às mineradoras.

Ollanta desembarcou do projeto chavista mais radicalizado e passou a aproximar-se do modelo “lulista” de conciliação aberta com as elites dominantes e o grande capital. Ainda assim, sua eleição refletiu a busca de uma alternativa às políticas neoliberais do governo Garcia.

Na medida em que o governo de Ollanta se aproxima mais e mais do grande capital, em particular das mineradoras, mais a resposta dos trabalhadores se intensifica como demonstra as recentes greves gerais em Cajamarca em dezembro e janeiro passados. A decretação de estado de emergência por parte do governo só aumentou a ira diante da traição histórica promovida por Ollanta e não impediu a força do movimento contra os interesses das mineradoras no maior projeto aurífero da América do Sul que provocará danos irreparáveis na bacia hidrológica da região.

Mesmo no Brasil, onde o movimento de massas foi mais eficientemente controlado pelos petistas no governo Lula, o primeiro ano de Dilma Rousseff foi marcado por intensas lutas. Foram lutas sindicais convencionais (bancários, correios, petroleiros, metalúrgicos, etc) onde os trabalhadores reivindicaram sua parte no crescimento econômico do ultimo período. Foram também lutas do funcionalismo contra os ataques e cortes dos governos. Mas, foram também lutas que escaparam ao controle mesmo da burocracia sindical, muitas vezes se conformando como verdadeiras rebeliões de trabalhadores, como no caso dos operários da construção civil nas obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), em particular das obras das novas usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio. O mesmo se deu com a luta dos bombeiros (uma corporação militar) no Rio de Janeiro que contou com solidariedade ativa da população e provocou a maior manifestação política na cidade do Rio desde as enormes marchas por eleições diretas contra o regime militar. Em vários estados, a polícia civil e militar também protagonizou greves e mobilizações, com destaque para o Maranhão e Ceará, colocando os governos contra a parede, recebendo o apoio do movimento sindical e popular e conquistando vitórias.

Na Argentina, a popularidade de Cristina Kirchner e os altos índices de crescimento econômico não impediram um grande processo de lutas sindicais e populares. O segundo mandato do Cristina Kirchner começa com anúncios de medias de ajuste buscando preparar o país para as turbulências internacionais. Isso significa cortes e ataques sobre os trabalhadores e as respostas serão inevitáveis apontando para novas mobilizações sociais.

Como medida preventiva diante das possibilidades de novas lutas de massas, como as que aconteceram na virada do século por toda a América Latina, nos marcos de uma nova onda de crise internacional, têm crescido fortemente por toda a região uma política de criminalização dos movimentos sociais e dos protestos. É o que acontece no México e na Colômbia onde a “guerra ao narcotráfico” serve com pano de fundo para a repressão a qualquer mobilização popular. Mas, é também o que vemos em países identificados como sob governos considerados mais progressistas, como o Brasil de Dilma ou a Argentina de Cristina Kirchner.

Continuísmo político – até quando?

A relativa estabilidade econômica manteve de forma geral uma tendência ao continuísmo político tanto à direita quanto à esquerda do espectro político latino-americano.

Os quatro maiores países da América Latina (que representam três quartos da população total) vivem ha mais de uma década com a mesma força política no poder. É o caso do PT no Brasil (dois mandatos de Lula e agora Dilma), o México governado pelo PAN (primeiro com Fox e agora Calderón), a Colômbia com Uribe e agora Santos e a Argentina com o casal Kirchner (Néstor e Cristina). O fenômeno também se dá em países menores como a Nicarágua, com Daniel Ortega que, apesar das denúncias de fraudes, venceu as eleições em 2011 e inicia seu terceiro mandato, e Uruguai, com uma década de governo da Frente Ampla. Em um contexto muito mais turbulento, o mesmo se dá na Bolívia com Evo Morales e na Venezuela com Chávez completando 14 anos no governo em 2012. Se for reeleito em janeiro de 2013, Rafael Correa do Equador também poderá completar mais de uma década no poder.

A reeleição de Cristina Fernández de Kirchner (CFK) na Argentina em 2011 reafirmou essa tendência. CFK obteve 54% dos votos no primeiro turno, o que representando quase 40% de diferença em relação ao segundo colocado. Além da estabilidade econômica, a amplitude da vitória de CFK, reflete a profunda debilidade das forças de direita neoliberal tradicionais. A tradicional União Cívica Radical (UCR) ficou em terceiro lugar (11% dos votos), atrás do candidato do Partido Socialista, Binner, que obteve 16% dos votos.

Além de CFK havia na disputa mais dois candidatos peronistas, os ex-presidentes Duhalde e Rodrigues Sáa, indicando que, diante da fragilidade da UCR, é do próprio peronismo que surgem elementos de oposição de direita ao governo.

A candidatura do cineasta Pino Solanas à presidência pelo Proyeto Sur, apoiada por setores do trotskismo (MST), acabou não se consolidando e Pino Solanas retirou a candidatura para apresentar-se na disputa eleitoral para chefe de governo de Buenos Aires. Uma candidatura da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores, encabeçada por Jorge Altamira do PO e envolvendo outras forças trotskistas (PTS e IS), obteve 2,3% dos votos.

O cenário de um novo mandato de CFK tende a ser bastante diferenciado daquele que criou as bases para sua vitória contundente. A postura do governo também tenderá a sofrer uma inflexão à ortodoxia na política econômica. O segundo mandato de CFK deve ser marcado por mais ajustes e ataques em meio à crise econômica internacional. Não é a toa que no apagar das luzes de 2011, o Congresso aprovou um pacote de leis prevenindo futuras turbulências, como é o caso da Lei antiterrorista que pode ser utilizada para aprofundar a repressão social, que já é uma marca do atual governo.

A política do governo seguirá na linha cortes para garantir o pagamento da dívida e normalizar as relações com o sistema financeiro internacional e isso significa ataques sobre os interesses dos trabalhadores. Para começar existe a perspectiva do “tarifaço”, um aumento generalizado nas tarifas dos serviços privatizados na medida em que o governo retire os subsídios a várias empresas.

Nesse contexto, as relações do governo com a burocracia sindical já começam a se tornar mais tensas, abrindo espaço para uma situação mais conflitiva. No último período surgiram experiências importantes de lutas dos trabalhadores organizados pela base passando por cima da burocracia sindical. Aprofundar esse caminho será fundamental para a resistência dos trabalhadores argentino.

México: retorno do PRI?

Apesar da tendência geral ao continuísmo, já existem sinais de desgaste profundo dos governos em vários países num processo relacionado à crise em gestação e que pode aprofundar-se.

No México, por exemplo, existe a possibilidade concreta do retorno do PRI ao governo (com o provável candidato Enrique Peña Nieto, atual governador do estado do México) nas eleições de julho de 2012. Isso porque não há uma alternativa clara de oposição de esquerda ao governo neoliberal do PAN (Partido de Ação Nacional) que completará dois mandatos depois de ter, no ano 2000, substituído o PRI que permaneceu sete décadas no poder.

Depois de aventar a possibilidade (ainda não totalmente descartada) de uma aliança com o PAN para impedir a vitória do PRI, e de uma intensa disputa interna, o PRD (Partido da Revolução Democrática) deve sustentar a candidatura de Andrés Manuel Lopez Obrador (AMLO), que só foi derrotado pelo atual presidente Calderón nas últimas eleições em razão das fraudes massivas.

O PRD é hoje um partido completamente adaptado à lógica do sistema político mexicano. Embora posicionando-se de forma mais crítica através do Movimento de Regeneración Nacional (MORENA), AMLO também disputa o apoio de setores empresariais e adota posturas pragmáticas. Porém, como protagonizou mobilizações multitudinárias contra as fraudes na eleição de Calderón (apesar de, logo em seguida, frear esse movimento) e posicionou-se criticamente às políticas de do atual governo, é visto por um setor como uma alternativa democrática ao governo policialesco e antipopular do PAN.

O movimento em torno do Exercito Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), que abandonou a luta armada em 2005, continua pregando a abstenção no processo eleitoral, mas não aponta uma clara perspectiva alternativa e com isso perde força. Uma alternativa de esquerda poderia ter surgido a partir da importante luta dos trabalhadores do setor elétrico contra a política de privatizações de Calderón. O fechamento da companhia de Luz y Fuerza del Centro representou um duro ataque aos trabalhadores e sua organização, o Sindicato Mexicano de Electricistas (SME). A proposta de formação de um partido operário baseado nos sindicatos, porém, não prevaleceu.

Diante do massacre imposto pela política de guerra ao tráfico de drogas por parte de Calderón e que representou o assassinato de mais de 50 mil pessoas desde o início do atual governo, um forte movimento de familiares e vítimas da guerra de Calderón e contra a militarização do país surgiu e pode ganhar força massiva no próximo período. Dirigido pelo poeta Javier Sicilia, o movimento mantém relações com os zapatistas e tem grande apoio popular.

Chile – uma etapa radicalmente nova

No Chile, a eleição do direitista Piñera em 2010 representou um protesto contra os anos de governo da Concertación. Como o CIT explicou anteriormente, a vitória de Piñera não significou um giro à direita na correlação de forças sociais e políticas e na consciência de massas. Isso ficou mais do que comprovado pelas enormes mobilizações de massas da juventude durante meses e o enorme desgaste político do governo chileno que deve ser punido nas eleições municipais de outubro desse ano, apesar da ausência de uma alternativa consequente de esquerda no país.

A luta dos estudantes contra a privatização da educação e por uma educação pública e gratuita para todos acabou levantando um duro questionamento ao conjunto do modelo capitalista adotada no país. Das reivindicações específicas o movimento rapidamente alcançou um patamar de reivindicações mais gerais como a nacionalização do cobre, maior taxação sobre as empresas, fim do controle dos bancos, etc. A bandeira de uma Assembleia Constituinte também foi levantada num momento em que o movimento da juventude alcançou grande apoio e unidade com trabalhadores, moradores dos bairros periféricos e demais setores sociais explorados.

O ponto alto dessa mobilização foi a greve geral convocada pela CUT para 24 e 25 de agosto que, embora não tenha se configurado exatamente como uma paralisação nacional em razão do papel jogado pelas direções sindicais, se transformou num grande protesto nacional contra o governo Piñera. A insatisfação popular com o governo e a força do movimento de massas ficou evidente, apesar do papel de freio às lutas da burocracia sindical e dos setores ligados à Concertación.

Nenhuma das manobras do governo (em muitos casos em acordo com a Concertación e o PC) para encerrar a mobilização estudantil conseguiu resultados efetivos. As pequenas concessões feitas pelo governo (mais bolsas para os estudantes mais pobres e redução dos juros cobrados pelos bancos para o financiamento dos estudos) não satisfazem a grande maioria dos estudantes e suas principais demandas ainda não foram atendidas. Isso coloca a perspectiva de retomada das lutas estudantis em 2012.

Incertezas do chavismo

O processo eleitoral mais decisivo no continente em 2012 serão as eleições venezuelanas de outubro. O intenso desgaste do chavismo nos últimos anos, resultado das dificuldades econômicas e de sua crescente adaptação burocrática, abriu esperanças para a oposição de direita. O anuncio do câncer que acometeu Chávez também aumentou as esperanças desse setor em relação à possibilidade de que Chávez não pudesse candidatar-se.

Porém, ao que parece, depois de um período de crescente desgaste político, Chávez recupera hoje um favoritismo em relação ao voto de outubro. Pesquisas indicam um apoio de mais de 50% a Chávez contra cerca de 30% para a oposição.

A relativa recuperação econômica com a alta do petróleo (depois de dois anos de crescimento negativo) junto com os novos investimentos em programas sociais e novas medidas de nacionalização parcial feitos pelo governo, são fatores que devem ajudar na recuperação do apoio ao governo chavista.

A oposição de direita busca lançar uma candidatura única que deverá ser definida em primarias a serem realizadas em fevereiro. O candidato mais destacado até agora é o governador de Miranda, Henrique Capriles. Mesmo conseguindo uma candidatura única, a fragilidade da oposição de direita é um dos fatores que permite a manutenção de apoio ao governo.

Os riscos diante do processo eleitoral, porém, ainda existem. O curso mais conservador e adaptado à lógica do capitalismo por parte de Chávez depois de mais de uma década no poder, só serve para abrir espaços para a direita.

A busca por iniciativas de organização e luta independente dos trabalhadores em relação a governos e patrões é parte vital da ação dos socialistas na Venezuela. Mantendo-se o diálogo com as bases que apoiam o chavismo e denunciando a oposição de direita, essa política de independência de classe e defesa de uma alternativa socialista também deve refletir-se nas eleições.

Giro à direita de Evo Morales

Estamos vendo um claro processo de giro à direita por parte do governo de Evo Morales. Não se trata de um processo novo, como vemos desde as concessões feitas à direita quando da aprovação da nova Constituição, especialmente no caso da garantia de que as limitações do tamanho das propriedades rurais não valesse retroativamente, o que acabou legalizando o latifúndio.

Com a derrota da direita mais truculenta da media luna, o governo buscou mostrar-se mais palatável para as elites o que levou a uma busca de pacificação social, incluindo uma hostilidade cada vez maior em relação aos movimentos de luta de camponeses, indígenas e trabalhadores. Nas eleições de 2009, Evo Morales já adotou uma postura muito mais claramente de aproximação com os bancos e grandes empresas. Nas eleições municipais e departamentais de 2010 as alianças com a direita se aprofundaram.

Em dezembro de 2010 o governo retirou o subsídio estatal á gasolina e provocou uma explosão de lutas sociais que obrigou o governo a recuar. Já em 2011 o governo de Evo violou sua própria constituição ao iniciar a construção de uma rodovia sobre o parque nacional de Tipnis sem consultar as comunidades indígenas da região e subordinando-se ao subimperialismo brasileiro. A mobilização indígena e dos trabalhadores contra essas medidas, incluindo uma greve geral convocada pela COB, colocou o governo contra a parede, levou à queda de ministros e obrigou Evo Morales a recuar novamente.

Diante das inúmeras greves de trabalhadores por reajuste salarial, o governo Evo reagiu com uma nova legislação trabalhista que proíbe as greves no setor público e estimula saídas individuais em lugar de coletivas. Sua nova política de previdência social excluiu os trabalhadores informais e do campo e coloca todo o peso do financiamento do sistema sobre as costas dos trabalhadores, beneficiando empresários e isentando o governo de suas responsabilidades.

A desilusão com o governo de Evo pode levar um setor da população e dos próprios movimentos sociais a buscar alternativas em torno da oposição de direita ou a um caminho de desilusão e passividade. Mas também existe espaço para alternativas de esquerda. Entre os mineiros bolivianos e outros setores da classe trabalhadora, como é o caso dos trabalhadores fabris, cresce a disposição de uma luta independente do governo pela chamada “Agenda de Outubro”, o conjunto de reivindicações de orientação anticapitalista levantadas quando da “guerra do gás” e que inclui a estatização dos hidrocarbonetos e das minas e a erradicação do latifúndio.

Cresce também o apoio à ideia da formação de um autêntico partido de trabalhadores na Bolívia. Os mineiros expressam isso quando defendem em sua tese ao Congresso da COB a necessidade de um “instrumento político dos trabalhadores”. Do crescimento dessa iniciativa depende em grande parte o futuro da luta dos trabalhadores, camponeses, indígenas e da população pobre da Bolívia.

O futuro de Cuba

Refletindo o impacto da crise internacional sobre a economia cubana, a direção do Partido Comunista de Cuba (PCC) passou a defender um conjunto de reformas ditas “modernizantes”, mas que na verdade servem para ampliar os espaços do mercado na sociedade cubana. Entre as medidas estava a meta de corte de meio milhão de postos de trabalho do setor estatal e a orientação para realocação dessas pessoas no setor privado.

O VI Congresso do PCC realizado em abril de 2011 manteve a orientação geral de reformas pró-mercado ainda que tenha atenuado o ritmo do processo. O ano de 2011 ainda foi marcado pela lentidão na implementação das políticas de reforma econômica. O regime ainda age de forma cautelosa e hesitante. Em primeiro lugar em razão do impacto social e político que as medidas podem provocar. Ao mesmo tempo, as medidas pró-mercado, do ponto de vista do regime, não devem significar a perda de controle do estado sobre a economia.

As reformas em debate em Cuba apontam para o crescimento da referência do modelo chinês sobre parte importante da burocracia do regime cubano. O modelo de uma economia hibrida numa direção restauracionista do capitalismo junto com o controle político férreo do Estado e da burocracia do PC continua sendo um horizonte possível no debate na cúpula do regime.

Uma Conferência Nacional do PCC deve realizar-se no dia 28 de janeiro de 2012 e deverá continuar o debate sobre as reformas econômicas, mas também abordar centralmente a estrutura e funcionamento do partido e das estruturas políticas cubanas. Porém, não parece provável que a Conferência represente uma grande mudança na direção de mais democracia no partido e no regime.

Mudanças políticas e econômicas são necessárias em Cuba, mas numa direção oposta ao do caminho restauracionista do mercado e do capitalismo. Cuba precisa de uma autêntica democracia dos trabalhadores, o único fator capaz de tornar eficiente e dinâmica uma economia planificada socialista. Uma autêntica democracia socialista em Cuba, porém, implica também na necessidade da integração latino-americana sobre bases socialistas. Essas devem ser as bandeiras dos socialistas que defendem as conquistas da revolução de 1959 e lutam contra o retrocesso político e econômico no país.

‘Lulismo’ como modelo e subimperialismo brasileiro

Praticamente não há país sul-americano hoje em que trabalhadores, indígenas e população pobre não lutem contra as ações de empresas multinacionais brasileiras envolvidas com a construção de estradas, usinas hidrelétricas e outras grandes obras. Os exemplos do parque de Tipnis na Bolívia ou das construtoras brasileiras no Equador são típicos. O mesmo vale para os efeitos da expansão econômica brasileira sobre os mercados latino-americanos gerando fechamento de empresas locais e desemprego. Da mesma forma, as forças armadas brasileiras encabeçam a intervenção estrangeira no Haiti provocando intensa ira popular, particularmente depois da terrível epidemia de cólera iniciada a partir das tropas estrangeiras no país.

Mesmo sendo um país dependente e submetido ao imperialismo, o Brasil exerce um papel subimperialista em relação a muitos países latino-americanos. Esse quadro não mudou com os governos do PT, pelo contrário, se intensificou agora sob a maquiagem borrada de um processo de integração latino-americana.

Os investimentos em infraestrutura visando à integração física da América do Sul (IIRSA) servem aos interesses das transnacionais instaladas no Brasil e o agronegócio brasileiro, interessados no mercado sul-americano e na saída para o Pacífico, e também das grandes construtoras de origem brasileira. Quem sofre com isso são as populações indígenas, camponeses pobres e o meio ambiente de pelo menos países sul-americanos, incluindo o próprio Brasil.

Ao mesmo tempo, refletindo os interesses econômicos de mineradoras, agronegócio e transnacionais brasileiras, o modelo político “lulista” de gestão do capitalismo, conciliando retórica e autoridade passada de esquerda com conciliação aberta com as elites e o grande capital, têm ganhado adeptos de forma mais rápida que os governos abertamente neoliberais ou aqueles que mantem uma retórica e algumas ações antineoliberais, como no caso passado do chavismo.

Países com governos tanto à direita quanto à esquerda do “lulismo”, como Colômbia e Venezuela, por exemplo, tem buscado uma convergência em direção ao “centro” político. Isso só é possível (assim como o próprio “lulismo” no Brasil) graças a uma situação econômica relativamente estável. A situação tende a voltar a polarizar-se nos marcos de uma agudização da crise internacional e seus impactos sobre a América Latina.

Mesmo no Brasil, o governo de Dilma Rousseff, que busca aplicar um “lulismo” sem Lula, encontra dificuldades. Sete ministros caíram no primeiro ano de mandato, seis deles sob a acusação direta de corrupção. Uma reorganização ministerial está prevista para breve visando reacomodar as forças políticas que apoiam o governo e que vivem intensa disputa interna.

Novos ataques sobre os trabalhadores (cortes nos gastos, congelamento salarial e mudanças neoliberais na previdência social e nas relações trabalhistas, etc) devem provocar a continuidade do relativo ascenso de lutas sindicais que marcou 2011. As eleições municipais de outubro de 2012 devem conformar o cenário da disputa pela sucessão de Dilma em 2014. Apesar das perspectivas de vitórias do PT e aliados governistas, principalmente diante da crise da direita tradicional, a esquerda socialista pode demarcar terreno, principalmente se não sucumbir ao pragmatismo eleitoral.

O PSOL, apesar de pequeno, tem uma base forte em algumas capitais importantes do país e poderá ter um bom desempenho eleitoral, principalmente no Rio e Belém (Pará). O último Congresso do partido, porém, não fechou as portas para coligações com partidos governistas e sem base na luta dos trabalhadores. Além disso, a ala direita do partido trabalha na perspectiva de uma aliança estratégica (visando 2014) com Marina Silva, que rompeu com o PT pela direita, candidatou-se a presidente pelo Partido Verde em 2010, obtendo 19% dos votos válidos, e agora tenta formar um novo partido.

A constituição de uma Frente de Esquerda envolvendo além do PSOL, o PSTU e o PCB nas eleições de 2012, assim como a defesa de um programa socialista e o enraizamento nas lutas sociais, colocaria a esquerda socialista num patamar político superior diante da perspectiva de novas lutas na medida em que a crise afete de forma mais contundente a realidade brasileira. É por isso que lutam os militantes do CIT no Brasil.

Uma alternativa socialista para a América Latina

O ano de 2011 terminou com a reunião que fundou a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC) que, para alguns dos governantes presentes, se coloca na perspectiva da construção de uma alternativa à OEA (Organização dos Estados Americanos), uma entidade totalmente subserviente aos EUA. Esse processo não elimina o grande peso do imperialismo estadunidense em relação à região, como se vê nos acordos bilaterais e na relação privilegiada dos EUA com países como a Colômbia.

Ao mesmo tempo, a formação da CELAC aponta para o fato de que um setor da classe capitalista latino-americana busca espaços de autonomia relativa em relação aos EUA. Sua política de integração regional reflete os interesses econômicos dos capitalistas latino-americanos passando por cima dos interesses das populações pobres, dos indígenas e dos trabalhadores.

A verdadeira saída para a independência efetiva dos povos latino-americanos em relação ao imperialismo passa por outro tipo de integração regional, uma integração baseada na propriedade pública e dos trabalhadores sobre os grandes meios de produção e governos das organizações da classe trabalhadora. A verdadeira integração latino-americana só pode ser dar nos marcos de uma Federação Socialista da América Latina e do Caribe.